Em um plano normativo, a década de 1990 testemunhou, nas democracias ocidentais de uma maneira geral, e na América Latina particularmente, a busca de fortalecimento da "função avaliação" na gestão governamental. Com efeito, foram implementados, em diversos países da América Latina, sistemas de avaliação das políticas públi-cas de escopo variável. Tal processo tem sido justificado pela necessidade de "modernização" da gestão pública, em um contexto de busca de dinamização e legitimação da reforma do Estado.Os argumentos que justificam a necessidade de institucionalização da avaliação da atividade governamental na América Latina também fazem eco à visão mais canônica do processo de avaliação de políticas públicas, aquela muitas vezes adotada em manuais e apreciações mais introdutórias, os quais apresentam a avaliação como "última etapa" do chamado "ciclo das políticas", definindo-a como: (a) atividade destinada a aquilatar os resultados de um curso de ação cujo ciclo de vida se encerra; (b) a fornecer elementos para o desenho de novas intervenções ou para o aprimoramento de políticas e programas em curso; e (c) como parte da prestação de contas e da responsabilização dos agentes
Em seus primórdios, a ciência política considerava as políticas públicas quase exclusivamente como outputs do sistema político, o que justificava o fato de a atenção dos investigadores ter se concentrado inicialmente nos inputs, isto é, nas demandas e articulações de interesse (note-se que, aqui, a hoje relegada terminologia eastoniana mostra-se plenamente adequada). Dito de outra forma, antes que a análise de políticas públicas fosse reconhecida como uma subárea na disciplina, a ên-fase dos estudos recaía, como em larga medida ainda hoje, diga-se de passagem, nos processos de formação das políticas públicas, o que parece refletir o status privilegiado que os processos decisó-rios sempre desfrutaram junto aos profissionais da área. Em um segundo momento, contudo, a partir da década de 1950, passou-se à definição das pró-prias políticas públicas como unidade de análise, o que gradualmente conferiu destaque aos aspectos dinâmicos do chamado policy process e aos distintos atores, estatais e não estatais, usualmente envolvidos (Radaelli, 1995).Nas duas últimas décadas, porém, os estudos acerca da interação entre os atores estatais e privados no processo de produção das políticas públicas têm sofrido significativas reformulações. Uma grande variedade de pesquisas empíricas e de ensaios de natureza teórico-conceitual tem demonstrado a incapacidade dos modelos tradicionais de interpretação dos mecanismos de intermediação de interesses, como o pluralismo, o corporativismo, o marxismo, em suas várias derivações, de dar conta da diversificação e da complexificação desses processos, muitas vezes marcados por interações não hierárquicas e por um baixo grau de formalização no intercâmbio de recursos e informações, bem como pela participação de novos atores, como, por exemplo, organizações não-governamentais de atuação transnacional e redes de especialistas.
IntroduçãoO caráter insulado do processo de produção da política externa brasileira, fortemente centralizado no Itamaraty, tem sido amplamente reconhecido. Há, porém, indícios de alterações importantes nesse padrão tradicional, a partir do início da década de 1990, e pressões crescentes para que tal processo se torne mais permeável às articulações, interesses e demandas de uma diversidade de outros atores, tanto estatais como societários. Uma vez que o padrão top-down de produção da política exterior do Brasil passa a ser questionado de modo mais sistemático, evidencia-se a importância de se analisar a maneira como a opinião pública pode (ou deveria) impactar esse processo, mesmo porque as expectativas e anseios da população do país têm passado a referenciar o debate e o jogo doméstico de interesses acerca das relações internacionais do país. Contudo, ao contrário do que ocorre nos países centrais, são ainda escassos no Brasil os estudos que se dedicam à problemática das interações entre opinião pública e política externa.O presente ensaio tem como objetivo principal explorar as razões de tal "negligência", enfatizando a relevância de um tratamento mais sistemático do impacto, empiricamente observado nos países centrais, da opinião pública sobre a política externa. Pretende-se, também, discutir o significado da perspectiva, mais claramente normativa, acerca da necessidade de que, também no âmbito da política exterior, o Estado seja mais responsivo às demandas e interesses da sociedade.Para tanto, o trabalho está organizado da seguinte maneira: inicialmente, discutem-se os fatores que explicam o caráter insulado do processo de produção da política externa do Brasil. Na segunda seção, são apresentadas as razões e os indicadores de uma mudança, aparentemente em curso, no processo de formação Artigo rev. Bras. Polít. int. 51 (2): 80-97 [2008]
Tendo como objetivo analisar o ensino e a pesquisa sobre a implementação de políticas públicas no Brasil, verificando se e em que medida os estudos sobre a implementação também se consolidaram como decorrência da maior institucionalização do campo da Análise de Políticas Públicas no país, o trabalho está organizado da seguinte maneira: a primeira seção questiona o lugar da implementação no ensino (graduação e pós) sobre políticas públicas no Brasil. Nessa seção, o foco estará concentrado nas Ciências Sociais, ainda que sejam analisados também os programas de pós-graduação dedicados exclusivamente às políticas públicas, que são avaliados, pela Capes, na área Interdisciplinar. A segunda seção é dedicada à pesquisa sobre a implementação no país. Procuramos quantificar e analisar, com distintos métodos e a partir de variadas fontes, a produção bibliográfica específica (teses e dissertações, livros e artigos). As considerações finais buscam dar um sentido mais amplo aos padrões descortinados.
This article aims to provide answers to two questions prompted by the latest reforms of Brazilian foreign service during Lula da Silva's presidency: How exactly might these institutional changes generate any impact over the Brazilian diplomatic corporation cohesion at large? How could bureaucratic insulation be undermined as an unexpected outcome of this process? To accomplish their objectives, the authors will briefly review the process of institution-building in Brazil, with an emphasis on the diplomatic corporation and the transformations it has undergone over the last three decades.
Pelo menos desde a década de 1930, perío-do em que se inicia a longa era de hegemonia do Partido Social-Democrata sobre o cenário políti-co sueco, elementos da chamada "engenharia social" do país, destinada primordialmente a assegurar a redução das disparidades sociais, têm despertado a atenção internacional e gerado um fértil processo de difusão de inovações em polí-ticas públicas. O chamado "sistema sueco de seguridade para os pais", que é um conjunto de direitos e benefícios estruturados com o intuito de minimizar as incompatibilidades entre as exigên-cias do universo do trabalho remunerado e aquelas relacionadas à criação dos filhos, é duplamente ilustrativo neste sentido.Em 1974, a Suécia tornou-se o primeiro país do mundo a transformar a licença maternidade em um sistema de licença remunerada para ambos os pais, sistema esse que foi arquitetado para induzir os pais (homens) a assumirem um papel mais ativo na criação dos filhos e, também, para fomentar uma partilha mais igualitária das tarefas domésticas pelo casal. Com objetivos nem sempre idênticos, e muitas vezes com reformulações significativas, tais direitos e benefícios foram posteriormente adotados por muitos países do mundo dito desenvolvido. O sistema sueco de seguridade para os pais parece também marcar o início de uma época em que, paralelamente à ênfase dada à redução dos diferenciais econômicos e de bem-estar relativos às classes sociais, a questão de gênero passa a assumir um lugar cada vez mais destacado na agen-
The "humanistic" or "solidarity-based" trend in the Brazilian strategy of international insertion, adopted after the rise to power of President Lula and considered innovative, consolidated the objective of prioritizing the South-South axis and can be explained by domestic, regional, and systemic reasons. This strategy was put into practice by increasing the international aid granted by Brazil, by transferring resources and technology and by the emphasis placed on conveying to partner countries some of the domestic social policies and programmes developed successfully by the Brazilian government. The aims of this paper are: (a) to look at how this "humanism" and "solidarity" appeared in the discourse of the Brazilian authorities; (b) to discuss the reasons for them and their logic in the national, regional, and systemic dimensions; and (c) to map the initiatives adopted, the preferred partners and areas, the resources used and the intragovernmental connections necessary for their implementation. (2013) 7 (2) 8 -36 bpsr Humanism and Solidarity in Brazilian Foreign Policy Under Lula (2003-2010): Theory and Practice(engajada) (Almeida, 2004); that it sought a "sovereign presence" in the world system (Souto Maior, 2004); that it was based on a search for a new "diplomatic architecture" (Almeida, 2005); that it followed a strategy of attaining "autonomy through diversification" [of partners] (Vigevani and Cepaluni, 2007) and that it was based on a "charismatic diplomacy" that was "impossible to transfer" (Ricupero, 2010), among many other labels and adjectives. 2 Celso Amorim, Minister of Foreign Affairs during Lula's two terms in office, said in an interview immediately after his appointment to lead Itamaraty once again 3 that the country's foreign policy would be "lofty and active" (altiva e ativa). In another interview, towards the end of his eight years as Lula's foreign affairs minister, Amorim stated that he preferred to label it as "fearless and solidarity-based" (desassombrada e solidária) (Amorim, 2010).Until quite recently, few Brazilian foreign policy analysts had stressed the importance that this emphasis on "humanism" and "solidarity" had on Lula's strategy of international insertion, even if, as we will see, it was strongly present in public speeches given both by Lula and Amorim since the very beginning, and even if it was almost immediately translated into practice. Lima and Hirst (2006: 22), however, state that the "inclusion of the social agenda as a major topic of foreign affairs was one of the first and most important innovations".This new tendency of the country's foreign policy, regarded as innovative, consolidated the objective of prioritizing the South-South axis. With this objective, Brazil established closer ties to countries on the periphery of capitalism, which can be explained by domestic, regional, and systemic reasons. This strategy was put into practice, inter alia, by the increase in international aid granted, the transfer of resources and technology, and the emphasis placed on conveyin...
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