IntroduçãoEntre os diversos segmentos populacionais que demandam atenção diferenciada, destaca-se o das pessoas com transtorno mental autoras de delitos. Este é um tema cuja área de interesse vai além da Psiquiatria Forense e transborda os limites de um campo que pode ser definido de forma ampla e genérica como o da Psiquiatria a serviço da Justiça 1 . A necessária interdisciplinaridade que o tema envolve exige uma interlocução efetiva com o Direito, a Psicologia, a Saúde Pública, as Ciências Sociais, o Serviço Social, a Jus-Filosofia, entre outros. A articulação entre saúde mental e direitos humanos interessa à sociedade, aos profissionais, aos pacientes e às respectivas famílias 2 . Já não se justifica a dicotomia do binô-mio indivíduo/sociedade, pois a discussão sobre a dignidade da pessoa, independentemente de ser paciente ou autor de delitos, plasma conteú-dos de Ciências da Saúde, das Ciências Jurídicas e das Ciências Sociais.Embora a interação com diferentes campos do saber e da prática se configure relevante para a abordagem de vários fenômenos humanos, no que diz respeito às pessoas com transtorno mental autoras de delitos, encontra um vértice muito peculiar que é o da discussão de um dos direitos humanos: o direito à saúde. Este trabalho objetiva, portanto, discutir o direito à saúde dos internos nos Hospitais de Custódia e Tratamento Psiquiá-trico (HCTP) na perspectiva dos direitos humanos. DEBATE DEBATE Correia LC et al. 1996 Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 23(9): 1995-2012, set, 2007 Aspectos históricos O modelo assistencial psiquiátrico hegemônico passou a ser discutido a partir do final da déca-da de 1940. As críticas se fundamentam no anacronismo e na ineficácia do modelo 3,4 . As denúncias recorrentes de violência nas instituições psiquiátricas têm sido objeto de mobilizações da sociedade civil e de profissionais de saúde. O crescente clamor social contra as diversas formas de desrespeito aos direitos humanos tem fortalecido uma consciência acerca da importância da luta pelo direito à singularidade, à subjetividade e à diferença. A ampliação da compreensão a respeito da natureza discriminatória dos estabelecimentos psiquiátricos envolveu familiares, comunidade e outros atores sociais na discussão da cidadania dos internos nos manicômios judiciários.Em relação às ações necessárias para a garantia dos direitos humanos dessas pessoas, Costa 5 (p. 143) reitera o caráter segregador desses estabelecimentos afirmando que o hospital psiquiátrico tornou-se um "emblema da exclusão e seqüestro da cidadania", considerando, ademais, sua repercussão na vida dos padecentes de transtornos mentais ao longo dos últimos duzentos anos.O início da assistência psiquiátrica pública no Brasil data da segunda metade do século XIX. Com a implementação do manicômio judiciário vislumbrava-se uma solução de interesse da sociedade cujo tecido fora agredido pelo delito da pessoa com transtorno mental. Ao apresentar-se como instituição prisional, sustentava-se na premissa de que o indivíduo, ainda que com transtorn...