T ratar da questão raça é tarefa que se mostra sempre espinhosa. Ponto de partida de inúmeras polêmicas científicas ou políticas e de incontáveis análises, a discussão do tema parece ainda estar refratada em seus significados e interesses em âmbitos diferentes, seja no interior dos campos de conhecimento científico, seja no seio da própria sociedade criadora e reificadora das 'relações raciais'.A obra ora apresentada, Raça como questão, é coletânea valiosa para todos aqueles que se interessam pelos temas ciência, sociedade e nação, e suas mútuas imbricações referentes à discussão sobre raça. Se os 11 capítulos que compõem o livro não foram concebidos como um conjunto, posto que se trata de textos abrigados originalmente em outras publicações, é bastante notável a estrutura bem organizada que formam no todo. Nesse novo trabalho, Marcos Chor Maio e Ricardo Ventura dos Santos exploram, sob outros olhares, temáticas que foram pauta de discussão em livro anterior, Raça, ciência e sociedade, que ainda hoje serve de referência para historiadores, sociólogos e afins. Tal como nessa coletânea, de 1996, a questão da raça é exposta na de 2010 em encadeamento de capítulos que tem por fios condutores o pensamento social brasileiro, a medicina, a biologia, a antropologia e os movimentos sociais.As semelhanças com a primeira organização dos autores revelam-se ainda por algumas premissas de abordagem que retomam 'raça' nas diferentes interfaces discursivas, em particular, as da ciência, dos grupos sociais e das políticas, o que, em seu conjunto, acaba por desconstruir o próprio conceito de raça. Também ao modo do primeiro livro, o debate racial é transposto no tempo, em recuo que visa revelar aspectos dos debates científicos sobre o tema como construções que se fazem de forma pertinente às enunciações sobre nação no Brasil. No livro o ponto de partida é o intervalo de tempo que se estende de finais da monarquia ao início do período republicano. Com efeito, é esse recorte temporal que a análise de Jair de Souza Ramos e Marcos Chor Maio enfoca de forma mais direta no primeiro capítulo. Os autores abordam o modo como intelectuais brasileiros de fins do século XIX e início do XX, entre eles, Sílvio Romero, Nina Rodrigues e Euclides da Cunha, lidaram com o legado da escravidão e um arcabouço teórico condenatório das raças mestiças que impediria a formulação de imagem positiva para a nação brasileira. Esses intelectuais, observam os autores, foram também produtores de discursos que, embora levando a MAIO, Marcos Chor; SANTOS, Ricardo Ventura (Org.). Raça como questão: história, ciência, identidades no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2010. 314p.