RESUMO: Neste artigo, analisamos enunciados de estudantes indígenas da etnia Gavião, da recém-criada Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa), registrados em rodas de conversas promovidas em suas respectivas aldeias, onde relataram suas experiências e expectativas com o Ensino Superior. Recortamos partes das falas de 10 desses estudantes e utilizamos também duas publicações da Unifesspa com foco nos estudantes indígenas. Como referência teórico-analítica, tomamos o conceito de dispositivo de Michel Foucault e a perspectiva arquegenealógica para entender as transformações históricas que culminam na atualidade, apontando como a presença indígena tem desestabilizado a homogeneidade acadêmica.
Neste artigo, considerando como referência teórico-metodológicas os estudos do discurso fundamentados em Michel Foucault e as definições de dispositivo colonial e etniCidades para compreender os enunciados visuais espraiados nas paisagens de Belém na segunda década do século XXI, que representam diferentes lugares de enunciação sobre a história da cidade e os povos indígenas. Tomo o frontal da Basílica de Nazaré e uma escultura de bronze de um indígena exposta na praça de um bairro nobre da cidade para marcar o discurso da colonização e, em contrapartida, analiso grafites de dois artistas contemporâneos paraenses que retomam a memória indígena de Belém em suas produções e visibilizam a pluralidade étnica da cidade. De certa forma, atualizo a antiga metáfora cunhada pelo Pe. Antônio Vieira, mas agora, em oposição ao mármore, não mais a murta e sim os grafites e sua efemeridade.
A mídia representa hoje um dos mais privilegiados espaços de (re)produção das identidades. No Brasil, os 305 povos indígenas e suas 274 línguas nativas, frequentemente, são tomados como uma generalização e ainda hoje, em muitas produções midiáticas, silenciam-se as singularidades destas sociedades. Neste artigo, selecionamos como corpus de análise o filme-documentário Coluna Norte (1960), cenas da telenovela Uga Uga (2000) e dois perfis de Facebook de mulheres indígenas ativos em 2013. A partir das definições de rede de memória e de intericonicidade, analisamos como estas representações colocam em circulação três diferentes posições sobre o agenciamento das identidades indígenas: o silenciamento, o estereótipo e a pluralidade cultural.
Em 12 de janeiro de 2016, Belém completará, oficialmente, 400 anos de fundação. A comemoração deste aniversário representa uma homenagem ao processo de colonização europeia na região. A movimentação em torno deste acontecimento começou a ser planejada por diferentes setores da sociedade belenense, com bastante antecedência. Diferentes sujeitos construíram diferentes discursos para falar sobre esta região. Este processo de 400 anos não foi pacífico, nem igualitário, pelo contrário, foi marcado pelo silenciamento de memórias, pela imposição da língua portuguesa, pela arquitetura colonial. A história da cidade, no entanto, é plural, ela é constituída por resistência e negociações culturais. Se por um lado a prefeitura e as grandes corporações de comunicação defendem uma memória europeia para a região, de outro, os grafites e pichações e a intensa movimentação no Facebook e Youtube exibem a pluralidade étnica que a cidade comunica. Neste artigo, analiso como, apesar do sistema colonial e de suas atualizações, a memória indígena está presente nas tensões discursivas que envolvem as comemorações. Palavras-Chave: Sistema colonial, acontecimento, dispositivo, memória indígena.
1 Narradoras indígenasEmbora tenha nascido em Belém, na Amazônia e seja incontestável minha descendência indígena, a primeira inserção consciente nas zonas de conflitos culturais entre os povos indígenas e seus outros aconteceu já na condição de professora, no Planetário do Pará, em 1999, quando estive pela primeira vez com os Tembé-Tenetehara. Eu fazia parte de uma equipe interdisciplinar, cujo principal objetivo era traduzir de forma didática os conceitos da astronomia ocidental para os estudantes de Belém e das cidades vizinhas.Os Tembé e os saberes de astronomia agenciados pelas narrativas indígenas de diferentes sociedades logo me faziam perceber outras cosmologias. Se nos cursos de capacitação oferecidos pelo Planetário aprendíamos a demarcar os limites científicos entre a astrofísica e a mitologia grega, os saberes indígenas, os únicos que nos deixavam ver o céu da Amazônia, inscreviam-se em uma outra epistemologia. Nestapara mim nova -perspectiva, ciência, arte e religião estavam imbricadas e era possível perceber diferentes dimensões do tempo presente.Um grupo de 20 tembé esteve no Planetário, diante de nós, explicando sua cosmologia, a forma como os caminhos do céu se entrelaçavam com os da terra, da água, do vento. Suas experiências de vida não se encerravam num passado finalizado. O céu, então, pluralizava-se aos meus olhos e passava a ser uma grande colcha de retalhos. Naquele momento conheci as manchas de jenipapo no rosto de Zahy, as flechinhas por meio das quais os animais chegam ao céu e podem virar estrelas. Definitivamente não estava diante de uma literatura pós-colonial ou pré-colonial.Havia um grande interesse por parte dos Tembé em nos fazer conhecer seus saberes, suas estrelas, suas narrativas. Faz parte da história dessa sociedade, contactada há mais de 400 anos, a constante acusação de 1 Doutora em linguística e professora da Universidade Federal do Pará (UFPA), Belém, PA, Brasil. E-mail: ivanianeves@ufpa.br ------------As histórias de Murué Suruí e Kudã'í Tembé estudos de literatura brasileira contemporânea, n. 53, p. 149-175, jan./abr. 2018. 150que não são mais indígenas. Seus saberes de astronomia, assim como as narrativas cosmológicas, provavelmente anteriores ao contato, ainda que atualizadas pelas movências históricas desta sociedade, não foram criadas para o deleite do colonizador, nem o tomaram como referência. Eles percebiam a questão política que envolvia esses saberes como afirmação identitária. Já naquele primeiro momento também conheci outro gênero de narrativa desse povo, aquele que King (2004) classificou como polêmica: as histórias do contato na versão indígena.As narradoras indígenas destacaram-se em minhas pesquisas e a condição de mulher me deu acesso a lugares femininos, nos quais aprendi a entender as relações de poder entre os núcleos familiares. No rastro dessa epistemologia de colchas de retalhos no céu, agora considero essas narradoras sujeitas de sua história, em desalinho com a história da colonização brasileira, instituída e forjada por sujeitos autorizados po...
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