DedicatóriaCaderno de campo Sem perder a raiz e as folhas no outono. Ao sair da igreja, num dia de comemoração de páscoa, peguei um ônibus. Passando por alguns quarteirões na Rua Augusta, na da região dos Jardins, vi uma trupe de crianças e jovens moradoras de rua que haviam ido algumas vezes à igreja, inusitadamente, acompanhadas de um cachorro. Estavam com suas famílias embaixo da marquise do banco que teve o segundo maior faturamento do país no ano que passou. As mães, já deitadas, preparando-se para dormir; as crianças e os jovens, porém, se movimentando bastante. Uma menina tentara atravessar a rua em meio aos carros e quase fora atropelada, mas isso não parecia ser extra-ordinário no dia-dia dela. Meu coração pulsando mais forte, o ônibus seguiu em direção à minha marginalidade habitacional ou para minha "bolha", como denominam alguns colegas vizinhos que insistem no estranhamento da relativa segurança do local onde moramos. Fiquei a pensar por alguns instantes na centralidade do humano, nos jovens da minha pesquisa, nos jovens que a atravessaram algumas vezes, mas que iriam dormir embalados em papelões, pensava na minha própria juventude. O retorno para casa é incrivelmente mais rápido que a ida. A volta é muito mais emocionante do que a ida, pois o repertório de imagens, sensações e experiências é ampliado. Em contrapartida, os dilemas são do tamanho do incompreensível. De ponto em ponto, prosseguia matutando sobre as incongruências das classes sociais postas nas condições juvenis, até que entraram duas travestis negras de uns 23 anos. Se bem que nunca dá para saber quantos anos de verdade elas têm, pois é muita maquiagem para um rosto só. Para o trabalho que elas iam começar, apresentavam-se da melhor forma possível, mas já exprimiam sinais de cansaço. Restava-me perguntar: E agora José? Mas, José é um cara muito antigo. Quem sabe, não deveríamos atualizar o Carlos Drummond de Andrade: E agora Rafael? Davi? Davidson? Gustavo? Marlene? Morgana? Wesley? No entanto, eles e elas também não teriam respostas, pois foram à saudade ainda jovens. Dedico meu trabalho, minha esperança, minhas lágrimas, minhas noites não dormidas, a esses meninos e meninas, meus vizinhos, parentes, amigos de escola, que foram assassinados ainda na juventude. Dedico à Vanessa de Ji-Paraná, que, talvez, represente com expressividade e de maneira singular algumas das meninas travestis que vi no caminho de volta para casa. AGRADECIMENTOS Reconhecer que o povo financiou meus estudos é o ponto de partida para revelar a minha gratidão por cada pessoa que participou do "circuito de dádivas" (MAUSS, 2003) durante meu período de formação. Contudo, o esforço de lembrar cada pessoa, grupo e instituição não revela a profundeza da minha gratidão, apenas me lembra da impossibilidade de retribuir tal qual me foi ofertado. Agradeço pelo que vivi intensamente: Família: Ao meu pai e minha mãe (José e Maria), que me ensinaram o caminho em que deveria andar. Aos meus irmãos (Viviane e Tiago), que foram fiéis amigos e protetores em sala de aula, na rua e...