A política externa brasileira e a "circunstância democrática": do silêncio respeitoso à politização ruidosa Brazilian foreign policy and the "democratic circumstance": from respectful silence to noisy politicization Dawisson Belém lopes* "A política não é um problema de episteme, mas de doxa." (CASTORIADIS, 2004, 212) Introdução Os anos 1990 iniciaram-se com Fernando Collor de Mello a ocupar a presidência do Brasil. Sua posse coroou um processo de abertura escalonada do regime político à participação popular, com realização de eleições diretas para o governo federal em 1989 e uma acirrada disputa, em dois turnos, envolvendo o próprio Collor de Mello e o adversário Luiz Inácio Lula da Silva.A presidência de Collor de Mello foi marcada por sobressaltos, principalmente na esfera econômica. A inflação galopante da década anterior não foi controlada, e logo o arrojado plano econômico, elaborado pela ministra da Fazenda, Zélia Cardoso de Mello, fracassaria, minando a legitimidade de um governo que, ao longo de 2 anos e meio de duração, jamais pôde contar com apoio majoritário no Congresso Nacional. O processo de impedimento constitucional sepultou, em setembro de 1992, qualquer perspectiva de o primeiro presidente eleito pelo voto popular da Nova República chegar ao fim de seu mandato.A tensão que marcou esse episódio da história republicana brasileira se justifica se o impeachment é tomado como o "batismo de fogo" das novas instituições democráticas do País. Afinal, o que hoje se alega é que, malgrado todo o transtorno político vivenciado à época, prevaleceu no Brasil o Estado de Direito, isto é, a saída constitucional, sem rupturas da ordem ou recurso a expedientes extralegais. Horizonte (dawisson@gmail.com). O autor agradece os enriquecedores comentários feitos a versões prévias do texto por Antônio Jorge Ramalho da Rocha, Cesar Guimarães, Filipe Nasser, Marcelo Jasmin, Letícia Pinheiro, Luiz Feldman e Maria Regina Soares de Lima, bem como por pareceristas anônimos e pela editoria desta RBPI. Rev. Bras. polít. int. 54 (1): 67-86 [2011] 68
* Professor do Departamento de Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas) e do Departamento de Ciências Jurídicas, Políticas e Gerenciais do Centro Universitário de BeloDawisson Belém Lopes Do ponto de vista da política externa conduzida pelo Ministério das Relações Exteriores (MRE), já se registrava naquele período uma tentativa de "emplacar" uma nova imagem internacional do País quanto a temas de democracia e Estado de Direito. Tome-se, exemplificativamente, o discurso proferido pelo então ministro das Relações Exteriores, Celso Lafer, nas Nações Unidas, por ocasião da abertura da Assembleia Geral de 1992:A democracia que hoje vivemos em toda sua plenitude no plano interno constitui garantia de estabilidade e coesão. Ensina-nos a conviver com as diferenças e as disparidades de uma sociedade plural. Permite-nos enfrentar crises e vicissitudes dentro da legalidade constitucional, ao mesmo tempo em que nos encoraja a defender seus ...