Las Casas, Alonso de Sandoval e a defesa da escravidão negra

Abstract

David Brion Davis, nos anos 1960, alertava que muitos historiadores exageraram a antítese escravidão versus doutrina católica. A proposta deste artigo, nesse sentido, é a de se afastar de uma análise supervalorizadora, quer da atuação da Igreja católica na legitimação da escravidão negra, quer da sua defesa dos negros. 1 Desse modo, buscar-se-á revisar a obra de dois missionários que atuaram na América espanhola e cumpriram importante papel na construção do discurso, ao mesmo tempo, legitimador e regulador do tráfico e da escravidão dos negros. Refiro-me ao dominicano Bartolomé de Las Casas, no século XVI, e ao jesuíta Alonso de Sandoval, no século XVII.

Mobilidade social e melhoria de vida de egressos cotistas das universidades federais brasileiras

“…Pelo contrário, os ex-escravos foram libertados e abandonados sem qualquer tipo de indenização, apoio, recurso ou meio de subsistência para construção da sua vida livre em sociedade . Nas palavras de Jessé Souza (2019), o liberto foi abandonado à própria sorte (ou ao próprio azar) e isso equivale a uma condenação eterna da sua precária situação de vida sub-humana. Durante décadas após a escravidão, o Estado brasileiro empreendeu uma política de importação de mão-de-obra de imigrantes, especialmente europeus, para o trabalho nas lavouras e posteriormente na nova sociedade capitalista que começava a se desenvolver no Brasil, que se tornava urbano e industrial nas primeiras décadas do século XX.…”

“…Segundo Hasenbalg (1982a), as práticas discriminatórias, a tendência a evitar situações discriminatórias e a violência simbólica exercida contra o negro se reforçam mutuamente de maneira a regular as aspirações do negro de acordo com o que o grupo racial dominante (os brancos) impõe e define como "os lugares apropriados" para os negros, promovendo-lhes uma autoimagem desfavorável. Como consequência, até hoje, os negros brasileiros são mantidos e tratados como cidadãos de segunda classe , configurando-se como Jessé Souza (2019), provocativa e propositadamente, chama de a "ralé de novos escravos" ou simplesmente a "ralé brasileira", a classe mais inferior da hierarquia social.…”

“…A tomada de consciência sobre o racismo no Brasil significa desestabilizar a norma hegemônica e, logo, busca-se deslegitimar quem fala de racismo, que é visto como inapropriado ou agressivo, porque aí se está confrontando poder (RIBEIRO, 2019). O preconceito de classe, e consequentemente de raça, tornado invisível, opaco e não transparente, é uma forma de os brancos dominantes darem continuidade à escravidão e aos seus padrões de ataque covarde contra populações indefesas, fragilizadas e superexploradas ao longo de toda a história (SOUZA, 2019). Esse silêncio sobre a discriminação racial é resultado, segundo Bento (2002), de um pacto narcísico tácito dos brancos, cuja preocupação é preservar, isentar e proteger os seus próprios interesses, que convive nos discursos com uma culpabilização e desvalorização dos negros e, por vezes, com uma indiferença em relação à violação de seus direitos.…”

“…A organização da sociedade brasileira impele o negro para a pobreza, para o desemprego ou para o subdesemprego, e para o "trabalho de negro" (FERNANDES, 2013a). Esse "trabalho de negro" é aquele relacionado ao uso do corpo como moeda de troca no mercado de trabalho, associado a vigor físico e força muscular, equiparado à tração animal, considerado pela sociedade como pouco útil e produtivo, de baixo status e de baixa remuneração, como faxineiras, motoboys, servente de pedreiro e empregadas domésticas (SOUZA, 2019). Ao branco brasileiro, por sua vez, são associados elementos de valor simbólicos, inclusive com valor concreto, como honra social, tratamento decente e equitativo, dignidade e direito de autodeterminação (HASENBALG, 1979).…”

“…Historicamente excluídos da reconstrução econômica, social e política do país, os negros estão à margem da população, fora do sistema social, e ocupam posições de subproletariado nas relações de produção (FERNANDES, 2013a). Além disso, o negro é visto como perigoso e inferior e agora é perseguido não mais pelo capitão do mato como nos tempos de escravidão, mas sim pelas viaturas de polícia que possui licença para matar pobre e preto, apoiada e incentivada pelas classes média e alta, como um processo de higienização social (SOUZA, 2019). A estética dominante no meio social contribui para esse processo de inferiorização do negro, pois tende a valorizar certos princípios como os traços "finos", "puros" e "delicados", associados aos indivíduos de cor branca e, assim, o branco é visto naturalmente, habitualmente e irrefletidamente como bom e belo (ROCHA, 2009).…”