O artigo trata do crescente interesse na categoria "femicídio" para análises sobre as mortes de mulheres na América Latina e seu emprego para o caso brasileiro. Apesar de ocorrerem em circunstâncias diversas, a partir de sua classificação como "femicídio" todas as mortes se explicam pelo fato de que "as vítimas são mulheres", enfatizando a persistência de um modelo patriarcal de dominação nas sociedades contemporâneas. Problematiza-se o emprego dessa categoria "homogeneizante" em contraponto com as discussões sobre as especificidades de gênero e sua interseccionalidade com outros marcadores sociais.
RESUMO Este artigo baseia-se nos resultados da pesquisa “Violência contra a mulher e acesso à justiça”, que teve como objetivo refletir sobre a efetividade da aplicação da Lei n. 11.340/2006 (Lei Maria da Penha) (CEPIA/Fundação Ford) e seus efeitos para a ampliação do acesso à justiça para as mulheres em situação de violência. Empiricamente, a pesquisa se realizou como estudos de caso em Porto Alegre, Recife, Salvador, Rio de Janeiro e São Paulo. Foram entrevistados 64 operadores do direito e outros profissionais que atuam com a aplicação da Lei. A pesquisa permitiu analisar as distâncias entre os dispositivos legais, as práticas profissionais e as rotinas institucionais de aplicação da legislação fortemente orientadas por estereótipos de gênero entre outros. Conclui-se que na brecha entre o formal e a prática se reproduzem as discriminações contra as mulheres que limitam seus direitos de acesso à justiça e sustentam seu não reconhecimento como sujeito de direitos.
a Lei Maria da Penha completou oito anos. A cada ano, os eventos comemorativos de sua aprovação trazem a oportunidade de realizar balanços e reflexões sobre os avanços, obstáculos e desafios colocados à sua implementação e seus impactos sobre a universalização do acesso aos direitos e à justiça para as mulheres em situação de violência doméstica e familiar. Este artigo tem o propósito de contribuir com algumas reflexões sobre a importância do atendimento em rede para alcançar resultados mais satisfatórios na aplicação da Lei Maria da Penha. As reflexões sistematizadas utilizam resultados de pesquisasO reconhecimento social da violência doméstica e familiar contra a mulher é relativamente recente no país, com pouco mais de 30 anos de emergência no cenário público nacional, mesmo período em que a violência contra as mulheres tornou-se objeto de interesse das ciências sociais, constituindo um campo de estudos cujos contornos definiram-se, principalmente, na interface das teorias feministas. 1 Mas foi a partir da aprovação da Lei Maria da Penha, em agosto de 2006, que esse reconhecimento social ganhou novos contornos e a violência doméstica e familiar contra a mulher deixou de ser um tema acadêmico ou das pautas feministas e do governo para tornar-se conhecido por toda a sociedade brasileira.A aprovação dessa legislação decorreu de um longo processo de discussão nacional. Iniciado nos anos 1990, quando o movimento de mulheres alertava para a necessidade de leis e políticas especializadas no enfrentamento da violência doméstica e familiar, 2 foi apenas nos anos 2000 que o contexto político e social permitiu maior avanço WÂNIA PASINATO 534 Estudos Feministas, Florianópolis, 23(2): 533-545, maio-agosto/2015 e a formulação de uma lei para punir e prevenir a violência doméstica e familiar contra as mulheres -a Lei n o 11.340/2006, popularmente conhecida como Lei Maria da Penha. 3A entrada em vigor dessa legislação representa um marco político nas lutas pelos direitos das mulheres no Brasil e no reconhecimento da violência contra as mulheres como problema de políticas públicas. É também um importante divisor de águas na abordagem jurídica da violência baseada no gênero, uma vez que estabelece novos patamares para o enfrentamento da violência contra as mulheres no país.As características dessa lei já foram tratadas por diferentes autores, 4 razão pela qual não serão retomadas neste texto. Contudo, é sempre importante assinalar o reconhecimento da violência baseada no gênero como violação de direitos humanos (artigo 6º), constituindo um novo paradigma no ordenamento jurídico brasileiro, rompendo com a lógica da criminalização como remédio para acabar com a violência contra as mulheres. E, também, a ampliação da definição de violência para abarcar a violência física, sexual, psicológica, patrimonial e moral (artigo 7º), pois cada uma dessas categorias abrange um conjunto igualmente amplo de comportamentos e ações que vão além do que se encontra previsto no Código Penal, alertando para a complexidade da violência basead...
New approaches on old propositions. Where did we move on? Wânia Pasinato* Resumo: O objetivo deste artigo é refletir sobre os obstáculos e os problemas que têm sido enfrentados para a aplicação integral da Lei 11.340/2006, a Lei Maria da Penha. As reflexões apresentadas utilizam os dados empíricos obtidos durante a realização da pesquisa sobre "Acesso à Justiça para Mulheres em Situação de Violência. Estudo Comparativo sobre as Delegacias da Mulher na América Latina (Brasil, Equador, Peru e Nicarágua)". A pesquisa foi realizada entre 2007 e 2009, em Belo Horizonte, e teve como núcleo de investigação entrevistas em profundidade com 15 mulheres que sofreram violência nas relações conjugais e procuraram a Delegacia da Mulher para registrar a ocorrência policial. Do conjunto de resultados obtidos, foram selecionados alguns dados e algumas reflexões que ajudam a ilustrar o cotidiano da aplicação da lei naquele município. Neste texto foram tomados para análise aspectos relacionados com o papel da polícia, do judiciário e da rede de serviços especializados no atendimento a mulheres em situação de violência. O objetivo é oferecer elementos para o debate em torno da aplicação da Lei Maria da Penha e contribuir para sua implementação integral.
<p>Tendo em vista as mudanças instituídas na realidade jurídica brasileira a partir da Lei 9099/95, que criou os Juizados Especiais Criminais, o objetivo desta pesquisa con-siste em avaliar a aplicação desta legislação nos casos de violência de gênero. A pesquisa contemplou os registros policiais realizados em três Delegacias de Defesa da Mulher (DDIV1) localizadas no município de São Paulo, entre os anos de 1996 a 1999. Foram abordados apenas casos em que agressões e ameaças ocorreram entre casais, fossem as relações atuais ou passadas. A aplicação da Lei 9099/95 vem sendo diagnosticada como fator de ciescriminalização e re-privarização da violência contra a mulher. Contrariando estas conclusões, o período de implantação dos juizados coincide com o crescimento do número de registros policiais registrados nas DDMs, sugerindo que delegacias e juizados se constituíram em importantes espaços de "fortalecimento" (empowerment) das mulhe-res em situação de violência. Após a análise das idas e vindas de mulheres que registraram mais de urna ocorrência nas DDMs, argumenta-se que a decisão de recorrer à Polícia e a capacidade legal de manifestação no decorrer do processo revelam um modo de exercício de poder pelas mulheres. Pretende-se demonstrar que o novo modelo, alternativo à justiça tradicional e convencional, responde às expectativas das mulheres vitimas de violência e revela um outro tipo de vinculo entre gênero, conflitos e justiça.</p>
The concept of femicide was created within the feminist theoretical field of studies influencing Law reform in Latin America. Eighteen countries throughout the region have criminalized femicide based on different legal provisions, in intimate and nonintimate relations. This article aims to provide a comparison of legal definitions of femicide as adopted in Latin American legal frameworks and to analyze the challenges of using law to give a name to the gender-based killings of women. The transition of the concept to law may partially impact its potential since other forms of gender-based violence may be hidden in a general clause of ‘gender prejudice’. It may also lead to restricted recognition in the legal system since traditionally this system operates in a conservative way wherein individual criminal liability has limitations in addressing institutional discrimination. Despite regional challenges, criminalization has contributed to raising social awareness on gendered killings. It has induced improvements in statistics and pushed for more attention on prevention policies and support for survivors and relatives. Nevertheless, current conservative movements tend to stress only the punitive approach and entail backlash on gender equality policies. This comparative study aims to contribute to a better understanding of the concept in the region.
Este artigo trata da morosidade da justiça. Pouco importando a natureza dos litígios -se cíveis ou criminais -, ou o perfil dos litigantes -se cidadãos comuns, corporações ou autoridades públicas -, é corrente a suspeita de que a intervenção judicial na mediação de conflitos é lenta e prevê incontáveis possibilidades de recursos que retardam decisões, além de se sujeitar ao acúmulo de processos e às singularidades burocráticas de uma sociedade como a brasileira. No domínio da justiça cível, não são poucos os problemas. As corporações empresariais reclamam que o tempo da intervenção judicial não acompanha o ritmo dos negócios imposto pelo mercado. Problemas decorrentes de morosidade judicial têm sido igualmente apontados em disputas fiscais, indenizações e cobranças de toda sorte. Não sem razão, vimos assistindo, cada vez mais na sociedade, à disseminação de sentimentos coletivos segundo os quais, se a justiça tarda, as leis não são aplicadas.No domínio da justiça criminal não tem sido diferente. Desde ao menos três décadas, a sociedade brasileira vem conhecendo o crescimento de todas as modalidades de crimes e de conflitos interpessoais que resultam em desfechos fatais. Os crimes cresceram e se tornaram mais graves e mais violentos. Manifestações públicas de medo e insegurança ganharam intensidade e dramaticidade, como deixam entrever as narrativas cotidianas que comparecem diariamente às colunas policiais da mídia impressa e às manchetes da mídia eletrônica e televisiva. No rol das mais inquietantes preocupações na-
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