O editorial deste número de Physis versa sobre as vacinas contra Covid-19 e é assinado por Rosana Castro, doutora em Antropologia pela Universidade de Brasília e autora do livro Economias políticas da doença e da saúde: uma etnografia da experimentação farmacêutica (2020), publicado em virtude do recebimento do prêmio de melhor tese de doutorado em Ciências Sociais pela Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Ciências Sociais (ANPOCS) em 2019.
Este artigo analisa como a mídia impressa brasileira noticia o comércio clandestino do misoprostol, o principal medicamento para aborto. Foram recuperadas 1.429 notícias, de 220 veículos de informação impressos e eletrônicos, entre 2004 e 2009. A análise foi realizada em 524 notícias de 62 veículos impressos regionais e nacionais. O misoprostol é pauta permanente, mas o enquadramento das notícias é policial, diverso do aborto como uma questão religiosa, política e de saúde pública que domina a mídia brasileira. O misoprostol está inserido no mercado ilegal de medicamentos de gênero, tais como os para emagrecimento, disfunção erétil ou anabolizantes. Sessenta e quatro (12%) notícias impressas apresentam histórias de vida de mulheres que abortaram com o misoprostol. As mulheres têm de 13 a 46 anos e sua inserção de classe demarca diferentes experiências de aborto. Três personagens foram identificados nos itinerários de aborto: amigas, intermediários e médicos. As histórias de aborto tardio são confundidas com a tipificação penal do infanticídio e são casos-limite para a narrativa midiática.
Apresentação do dossiê "Entre 'precariedades', 'crises' e o 'colapso': perspectivas antropológicas sobre o "desmonte" do SUS"Between "precariousness", "crises" and "collapse": anthropological perspectives on the "dismantling" of the SUS
Resumo Com o avanço da pandemia de Covid-19, iniciou-se uma corrida tecnológica para o desenvolvimento de vacinas. Diversas pesquisas estão em curso no mundo e quatro candidatas a vacina estão em teste no Brasil. Neste artigo, problematizo como dispositivos necropolíticos sanitários, econômicos e políticos, racial e socialmente articulados, configuraram o Brasil como um epicentro da pandemia e um “laboratório” de vacinas no ano de 2020, e analiso como essa situação foi localmente positivada como um reconhecimento internacional das competências do país em participar do mercado global de pesquisas farmacêuticas. Reflito, ainda, sobre como o envolvimento nos estudos não necessariamente garante o acesso futuro da população brasileira às vacinas aqui testadas, pois tais tecnologias são objeto de correntes disputas comerciais desiguais, que tendem a reforçar as condições que contribuíram para conduzir o país à tragédia sanitária da qual se espera surgir a solução para a pandemia.
O objetivo foi descrever e analisar modelos e estratégias internacionais de envolvimento de usuários de sistemas de saúde nos processos de avaliação para incorporação de tecnologias de saúde registrados na literatura científica. Realizou-se levantamento da literatura em sete bases científicas, seleção de artigos, identificação e descrição dos modelos adotados em diferentes países. De 392 artigos identificados, oito foram selecionados segundo critérios de elegibilidade. As estratégias e modelos identificados foram classificados segundo o domínio do envolvimento; tipo de público e nível de envolvimento. A descrição dos modelos permitiu identificar uma ampla diversidade de experiências para envolvimento do público em processos de ATS. Os resultados apontam para a troca de conhecimentos e informações como forma de reduzir o distanciamento entre os usuários e os processos de avaliação mediante estratégias diversificadas de incentivo à participação.
Resumo Parte significativa da literatura sobre a gênese das instituições brasileiras voltadas à regulamentação ética de práticas de pesquisa científica envolvendo seres humanos costuma remontar a eventos internacionais, a exemplo dos ocorridos durante e após a Segunda Guerra Mundial, como disparadores de uma consciência ética global da qual o Brasil teria tomado parte. A partir de revisão de literatura e recurso de abordagem genealógica, investiga-se como certos eventos ocorridos no nosso país, como a atuação de movimentos sociais frente aos ensaios clínicos com Norplant, nos anos 1980, e com antirretrovirais (ARV), nos anos 1990, são fundamentais para a compreensão de distintos momentos de institucionalização da ética em pesquisa no Brasil e suas respectivas orientações políticas. Com base na reconstrução desses episódios, argumenta-se que os conteúdos particulares das agendas públicas sobre as práticas científicas biomédicas se ancoraram em contextos específicos de contestação, cujas demandas políticas foram agenciadas em termos notadamente éticos. A configuração histórica da ética em pesquisa no Brasil conjuga sujeitos, fatores e lutas políticas que lhe conferem um caráter dinâmico, cuja compreensão demanda levar em conta a atuação de movimentos sociais com relação à regulamentação dos ensaios clínicos.
Em 2015, a substância fosfoetanolamina sintética se tornou alvo de intensas disputas judiciais, científicas e institucionais. Cápsulas eram fabricadas e distribuídas pelo Instituto de Química do campus de São Carlos da Universidade de São Paulo a pacientes com câncer, sem o aval da reitoria da universidade ou das autoridades sanitárias, as quais argumentavam que a substância não tinha passado por todas as etapas de pesquisa. O caso ganhou a atenção da mídia, sobretudo diante de depoimentos de pacientes que utilizaram a substância e afirmavam que nela havia a cura para o câncer. A tais pacientes, juntou-se o grupo de cientistas responsáveis pela pesquisa, produção e distribuição das cápsulas, que defendia sua efetividade com resultados de estudos em animais e testemunhos de pacientes curados de modalidades agressivas da doença ou em fase de tratamento. Diante da controvérsia, este trabalho apresenta uma etnografia de debates públicos, documentos e produção jornalística sobre a substância e reflete a respeito de como esse caso interpelou distintas articulações da categoria de “risco”, bem como provocou os limites da legitimidade das práticas dominantes de produção de evidência científica e de regulamentação sanitária de medicamentos.
scite is a Brooklyn-based organization that helps researchers better discover and understand research articles through Smart Citations–citations that display the context of the citation and describe whether the article provides supporting or contrasting evidence. scite is used by students and researchers from around the world and is funded in part by the National Science Foundation and the National Institute on Drug Abuse of the National Institutes of Health.