RESUMOEste estudo abre o Diário de luto de Roland Barthes para, levando em conta seu lugar na obra barthesiana, examinar algumas das questões ali pulsantes: a relação especial entre ausência e presença instaurada pelo luto, o haver-se com a vulgata psicanalítica acerca dessa experiência e seus desdobramentos em termos de escrita. Retoma o paradigmático "Luto e melancolia" de Freud e o mergulho de Kristeva nos mesmos conceitos, ponderações de Blanchot sobre os estreitos laços entre escrita e morte, bem como alguma fortuna crítica barthesiana sobre o Diário e os demais escritos assombrados pela perda da mãe (A Câmara Clara e o projeto de romance Vita Nova); aventa aproximações entre as escritas enlutadas de Barthes e de Dante. Conclui com a proposição de uma leitura do pathos que age no Diário e cria ali modulações particulares entre o escrever, o amor e seus espectrais objetos e participantes, discutindo inscrições do afeto na perda e as particularidades dessa intratável escritura lutuosa. Barthes' oeuvre, we examine a) the special relationship between presence and absence that occurs in mourning, b) Barthes' reckoning with that psychoanalytic concept and c) the particularities of writing harboured in grief. Our analysis revisits Freud's pioneering study "Mourning and melancholia", Kristeva's work on the same subject and Blanchot's musings on the close ties between writing and death, as well as critical studies of Barthes' Mourning Diary and other writing projects equally haunted by the loss of his mother (Camera Lucida and the intended novel Vita Nova); we also identify similarities between the writings-in-mourning undertaken by Barthes and by Dante Alighieri. At the end, we discuss inscriptions of affection in the experience of loss and the distinguishing traits of writing mourning; we propose that a certain pathos may be at work in the Diary, weaving a particular brand of connection between writing, love and their spectre-like objects and participants. 1 Aberturas N'O espaço literário, Blanchot (1962) integra o diário de Kafka e cartas de Rilke a suas inquietações acerca da escrita literária e tece reflexões a partir do escrito nesses espaços considerados um tanto marginais do fazer propriamente poético, mas assombrados por suas questões e empenhados, a seu modo, na mesma busca. Apesar da célebre frase de abertura do artigo "Deliberação", que declara "Nunca mantive um diário -ou, antes, nunca soube se deveria manter um" (BARTHES, 2012, p. 445), Roland Barthes produziu muitos escritos de caráter diarístico, dos quais parte tem sido publicada postumamente. Esses textos costumam ter algum elemento organizador a afunilar o escopo das anotações: há diários que poderíamos chamar de viagem (Incidentes, Cadernos da viagem à China), outros dedicados a aventuras e desventuras amorosas (Noites de Paris, o inédito Cronologia) etc. No mais das vezes, esses diários de cunho específico integram ou acabam por integrar o espaço de trabalho escritural de projetos destinados à publicação; é, de certo modo, o caso do Diário de lut...
Ana Cristina Cesar e Roland Barthes são frequentemente caracterizados por uma dicção intimista e subjetiva, que o estudo especializado averigua ser resultado de articulações muito específicas do "eu" em seus textos. Esta dissertação inscreve-se nesses estudos, traçando a movimentação entre os espaços de intersecção, os de autonomia e o trânsito entre escritor e locutor em escritos de Ana C. e de Barthes. Examina a inclusão deliberada de determinados dados biográficos dos escritores no espaço textual da obra, pensando um arraigamento da escrita na biografia como projeto em Barthes e como inquietação em Ana C.. Discute os diários como espaço de modulação do "eu" na escrita, e também de correlatos como subjetividade e identidade, visto que os dois autores trabalham o gênero com finalidades literárias, operando nele certos deslocamentos. São também investigados modos de relação entre os meticulosos "eus" textuais e o Outro, em duas frentes: imagens fotográficas em livros dos autores e o anseio pelo outro, como interlocutor em Ana C. e como matéria e motivo de um narrar em Barthes. A análise se concentra sobre A teus pés, Crítica e Tradução e a
Em seus últimos anos de vida Barthes tornou público o projeto de escrever um romance, provisoriamente intitulado Vita Nova, trabalho cujos traços aparecem no curso “A Preparação do Romance”. Ao longo do curso ele escreveu também seu último livro publicado em vida, A Câmara Clara: nota sobre a fotografia, ao mesmo tempo em que trabalhava sobre os diários “Incidentes” e “Noites de Paris”, possivelmente buscando integrá-los a Vita Nova (PINO, 2010). Esses dois diários relacionam o biográfico com a imagem de autor, a autoimagem, o afeto e a escrita, questões em pauta no romance pretendido. Seus procedimentos formais, em especial os relacionados à negociação do espaço entre narração e relato, podem mostrar-se de suma importância para uma leitura d’A Câmara Clara, onde essa questão concentra-se na relação do narrador com as fotografias seletas. Este artigo traça a presença de “Incidentes” e “Noites de Paris” em aspectos narrativos d’A Câmara Clara que podem apontar caminhos escriturais do romance desejado por Barthes.
Resenha de edição especial de Mythologies, de Roland Barthes
O presente artigo lê unidades de Fragmentos de um discurso amoroso, de Roland Barthes, esquadrinhando as relações que ali aparecem entre amar, escrita e língua, donde puxa fios de aspectos mais amplos do livro e da obra do autor. Lemos Fragmentos em rede com seus arredores escriturais, como diários e artigos, e vemos que a escrita ensaística, longe de abandonar reivindicações teóricas relativas a acepções de escrita, sujeito e outras bandeiras pelas quais Barthes bateu-se publicamente nos anos precedentes, pressupõe-nas e as integra. Nesse sentido, conforme o livro coloca em questão não apenas um objeto (o discurso amoroso), mas também o seu próprio fazer enquanto escrita que se quer amorosa, a prática de escrever é ali recolocada em outros termos: no interminável de uma ferida.
O presente texto considera aspectos da organização de Fragmentos de um Discurso Amoroso, de Roland Barthes, a fim de interrogar em que medida viabilizam uma consideração estética da obra. Para tanto, recorremos à proposta de literariedade condicional (GENETTE, 1991) e realizamos uma leitura comparada do texto barthesiano com dois estudos sobre o amor, buscando evidenciar pontos pelos quais Fragmentos deles se aproxima e distancia, nisso tecendo um entrelugar que flerta com modos literários de deslocar gêneros e usos textuais. São enfocados prioritariamente aspectos formais do texto, pensando que ele movimenta certas fronteiras que a literatura também está sempre a renegociar, como o espectro unidade-fragmentação, o registro (ficcional / não ficcional) e a complexa trama entre narração, elocução e autoria.
Este artigo examina relações de A câmara clara com diferentes tipos de saber e os parâmetros discursivos que os constituem, buscando no livro respostas barthesianas à questão de escrita “Como orientar as escolhas (de tema, de abordagem, de interlocutores, de referências, de gênero textual, de linguagem)?” Discute também a dimensão epistemológica e ética da adoção de uma pertença intermitente, preocupada com os valores efetivados nas escolhas de linguagem constituintes da atividade intelectual. Este texto propõe, sobretudo, mostrar que as inquietações de Barthes quanto à prática crítica e a alguns de seus parâmetros e pressupostos florescem em discussões epistemológicas, propostas teóricas e aspectos composicionais não ortodoxos, e demonstrar como elas afirmam, refutam e desviam traços e elementos modelares de discursividades ligadas ao Saber consagrado.
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