Por sincretismo passivo-reflexivo pode-se compreender a ocorrência de uma mesma marca morfológica em construções reflexivas, passivas e anticausativas. O fenômeno, bastante comum entre as línguas, tem sido tratado pela Teoria Gerativa, principalmente, de duas formas diferentes: por um lado, diz-se que o sincretismo passivo-reflexivo é consequência de uma propriedade sintática em comum compartilhada pelos contextos de inserção e, por outro, que -na verdade -os contextos em que o morfema se insere compartilham de uma mesma representação semântica. Do que se tem visto, ambas as formas de abordar o fenômeno são problemáticas: as explicações que fornecem, além de apresentarem alguns problemas teóricos, não se aplicam a tantas línguas quanto o esperado. Essas abordagens também tem levado pouco em conta importantes observações da linguística comparativa, que vem lidando com fenômenos dessa natureza desde o final dos anos 60. Esta tese investiga o sincretismo em questão em um grupo abrangente de línguas e une suas observações com conclusões da tipologia linguística e teoria gerativa, buscando desvendar duas questões, fundamentalmente: (i) por que o fenômeno é tão comum entre as línguas e (ii) qual o estatuto da marca compartilhada. Essas perguntas puderam ser respondidas levando em conta contribuições clássicas da linguística como a primeira definição de verbos anticausativos (Nedjalkov & Silnickij, 1969) e o estudo dos tipos de alternâncias de valência. Por outro lado, o modelo da Morfologia Distribuída (Halle & Marantz, 1993), desenvolvimento recente da Teoria Gerativa, possibilitou uma abordagem mais transparente da relação entre morfologia e sintaxe, permitindo melhor compreensão dos ambientes estruturais em que ocorre o sincretismo. O fenômeno é considerado um caso de sobreaplicação de anáforas, no sentido de Heinat (2006), na estrutura sintática. Essa sobreaplicação só é possível dadas algumas condições, sendo a principal delas a dependência morfológica da marca sincrética. Essa dependência morfológica é derivada ou durante a derivação sintática, ou após a inserção de material fonológico, conforme prevê a Morfologia Distribuída. As diferentes distribuições que o sincretismo apresenta entre as línguas podem ser explicadas por propriedades sintáticas da língua, assim como pelo momento da derivação em que a anáfora torna-se morfologicamente dependente, o que também diferencia clíticos/pronomes fracos de afixos.
RESUMO: O presente trabalho investiga o estatuto dos morfemas d:- e n- na língua indígena brasileira kadiwéu. Os morfemas co-ocorrem em construções reflexivas e anticausativas, apesar de estarem, de acordo com a literatura (Sandalo 1997, 2015) associados a diferentes fenômenos e ocorrerem independentemente: o morfema n- é caracterizado como marca de construção antipassiva e o morfema d:- costuma ocorrer quando há presença de argumentos internos em posição pré-verbal. Baseando a análise nos pressupostos teóricos da Morfologia Distribuída e na proposta de análise transitiva de reflexivos de Alboiu, Barrie e Frigeni (2004), abordo cada um dos contextos de ocorrência dos morfemas, dando especial ênfase à sua co-ocorrência em construções anticausativas e reflexivas. O morfema n- é, então, analisado de forma comparável à marca passiva de Baker, Johnson e Roberts (1989) enquanto a ocorrência do morfema d:- é vista como o resultado de fissão no nó de concordância, fissão essa desencadeada pela concordância com argumento no caso absolutivo.
No presente artigo, realizamos uma investigação teórico-histórica de duas grandes inconsistências na tipologia linguística, inseridas na interface morfologia/sintaxe: o uso da noção de palavra (DIXON; AIKHENVALD, 2003) e a classificação morfológica em tipos holísticos (SCHWEGLER, 1990), ambas relacionadas e interdependentes. Intentando avaliar suas origens e superação -ou não -, fazemos uma revisão bibliográfica, acompanhando os primórdios da classificação morfológica (VON SCHLEGEL, 1818), surgida em meio a discussões acientíficas sobre o espírito dos povos e pureza racial. Em seguida, aludimos à inadequação de imensa parte do cabedal teórico europeu às diferentes línguas, com atenção ao caso do mandarim entre as línguas siníticas. Daí, debruçamo-nos sobre propostas mais recentes de estudos no campo da tipologia. Percebemos claramente a persistência do conceito de palavra e seu caráter estruturante para a linguística, mesmo nas propostas mais recentes, bem como utilização disseminada das classificações morfológicas da tipologia holística. Por fim, apontamos alternativas ao uso da palavra como item de análise, bem como outras maneiras de comparar línguas que não as subsumindo inteiramente a tipos morfológicos discretos.
No abstract
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