RESUMO No Brasil, o Sistema Único de Saúde (SUS) prevê a organização de uma rede hierarquizada e regionalizada de serviços de saúde tendo a atenção primária à saúde (APS) como ordenadora e porta de entrada para os serviços. Recentemente, novas diretrizes e experiências brasileiras designaram para a APS um papel de maior protagonismo no tema das políticas de HIV/Aids, que até então desenvolviam-se, no seu componente assistencial, centralmente em serviços especializados. Este artigo contextualiza e problematiza esse recente processo de descentralização do cuidado às pessoas vivendo com HIV/Aids no SUS. A partir de 2011, novas tecnologias diagnósticas (como os testes rápidos) foram implantadas na APS no Brasil, ampliando o acesso à testagem e promovendo um aumento do número de diagnósticos de HIV na APS. A partir de 2013, diretrizes e recomendações incentivaram também o acompanhamento de pessoas com HIV/Aids no âmbito da APS. Nesse contexto, o presente artigo examina a relação entre APS e atenção especializada, as questões de acesso, estigma e confidencialidade na APS e o modo de organização e funcionamento das equipes de saúde da família, notadamente a vinculação formal entre moradores a equipes. Conclui-se que o enfrentamento de vários desafios – de ordem moral, ética, técnica, organizacional e política - é necessário para ampliar as possibilidades de acesso e a qualidade do cuidado na APS para as pessoas vivendo com HIV/Aids no Brasil.
O artigo aborda práticas sexuais e representações sociais de casais sorodiscordantes para o HIV/Aids. Argumenta-se que em situação de conjugalidade há uma suspensão do chamado sexo seguro e um processo de rotinização da intimidade. A partir de entrevistas realizadas com homens e mulheres envolvidos em relacionamentos considerados estáveis, destrinça-se o repertório de práticas sexuais exercidas segundo o gênero, investigam-se as representações associadas ao elenco destas práticas e se discute como as mensagens de prevenção muitas vezes não acompanham estas lógicas, forjando-se a partir de discursos normativos e distantes das realidades cotidianas vividas pelos sujeitos.
Uma das situações atuais colocada pela epidemia de HIV/AIDS é o fenômeno da "sorodiscordância". Este artigo aborda temas que não podem ser falados em relações constituídas entre esses casais e/ou desses com familiares, amigos e redes de vizinhança. São discutidas duas dimensões dos segredos contidos em relações sorodiscordantes: (1) segredos individuais que estabelecem silêncios para cada membro da díade; e (2) segredos de casal, estabelecidos e guardados pelo par frente a outras pessoas. O artigo deriva de pesquisa com casais sorodiscordantes para o HIV/AIDS em que foram realizadas 26 entrevistas em profundidade. A análise foi realizada a partir de um quadro de sistematização comparada, que permitiu observar como os mesmos conteúdos temáticos variavam de acordo com o gênero e a sorologia dos entrevistados. Os dados mostram que cotidianamente os sujeitos realizam estratégias para manutenção de aspectos da vida privada que podem ser ameaçados pela dinâmica da fofoca, entendida não como fenômeno independente, mas em função de normas e crenças coletivas em determinados espaços sociais.
This article aims to consider some relevant challenges to the provision of "new prevention technologies" in health services in a scenario where the "advances" in the global response to AIDS control are visible. We take as material for analysis the information currently available on the HIV post-exposure prophylaxis (PEP) and pre-exposure prophylaxis (PrEP), treatment as prevention (TASP) and over the counter. The methodology consisted of the survey and analysis of the Biblioteca Virtual em Saúde (BVS: MEDLINE, LILACS, WHOLIS, PAHO, SciELO) articles that addressed the issue of HIV prevention and care in the context of so-called new prevention technologies. The results of the studies show that there is assistance on the ground of clinics for the treatment of disease responses, but there are several challenges related to the sphere of prevention. The articles list some challenges regarding to management, organization of services and the attention given by health professionals to users. The current context shows evidence of the effectiveness of antiretroviral therapy in reducing the risk of HIV transmission, but the challenges for the provision of preventive technologies in health services permeate health professionals and users in their individual dimensions and health services in organizational and structural dimension. Interventions should be made available in a context of community mobilization; there should be no pressure on people to make HIV testing, antiretroviral treatment or for prevention. In the management is responsible for the training of health professionals to inform, clarify and make available to users, partners and family information about the new antiretroviral use strategies.
Resumo A “crise” é um fenômeno que corresponde a políticas globais e locais com repercussões sociais, políticas e econômicas e é o contexto para este artigo, que visa refletir sobre a resposta brasileira à epidemia de HIV/AIDS. Examinamos dimensões deste fenômeno, como a revisão de consensos das políticas de austeridade, seus impactos e a construção de “antiagendas” que dificultam a narrativa dos direitos humanos, gênero, sexualidade e saúde e obstaculizam o trabalho de prevenção e o cuidado na área de HIV/AIDS. Tal guinada conservadora pode ser associada à censura a materiais especializados e à mudança recente na estrutura de gestão do Ministério da Saúde, à extinção de centenas de conselhos participativos no âmbito do executivo federal e à nova Política Nacional sobre Drogas que substitui a orientação de “redução de danos” para a de “abstinência”. Todos esses fenômenos reaquecem uma antiga preocupação: que o “vírus ideológico” venha a suplantar o vírus biológico, acentuando o quadro de estigma e de discriminação. Somados à agressiva orientação socioeconômica neoliberal que ameaça o Estado brasileiro, tais fatos afetariam a continuidade das respostas institucionais ao HIV/AIDS.
RESUMO A pesquisa objetiva compreender o 'abandono de tratamento' -situações de descontinuidade do medicamento e/ou ruptura de vínculos entre pacientes, profissionais e serviço de saúde. Buscou-se compreender como pacientes de uma unidade básica de saúde percebem e significam a experiência em questão e como o serviço de saúde a enfrenta. A partir da literatura das ciências sociais em saúde, foram elaborados quatro eixos de análise. Os dados apontam lacunas nas ações de saúde e fragilidade dos profissionais em lidar com situações de vulnerabilidade. Recomenda-se aos gestores e serviços, portanto, a qualificação da equipe profissional e a atividade de 'busca ativa' aos pacientes considerados faltosos.
RESUMO.Neste trabalho discutimos o posicionamento de lideranças cristãs sobre a "gestão" das sexualidades dos jovens, no contexto de interpelação das políticas sexuais do Estado. As reflexões resultam de pesquisa etnográfica, conduzida através de levantamento documental, observação e entrevistas com 47 religiosos em Recife. A análise dos dados evidencia o espaço religioso como instância disciplinar que opera a partir de uma razão transcendente ("responsabilidade"). Espera-se que esta seja incorporada pela pessoa, que, então, passa a ser capaz de fazer escolhas apropriadas e diferenciar o "certo" do "errado". Aids e gravidez na adolescência aparecem como resultantes das "tentações da carne/erótico". Na perspectiva dos Direitos Sexuais e à Saúde, o artigo visa desconstruir a carne como domínio de "tentação" e de "força essencial" que leva ao desvio/pecado/"risco"; ressituando-a como instância positiva dos sujeitos (de direitos), e condição de fertilidade social.Palavras-chave: juventude, socialização sexual, religiões cristãs. THE CARE OF THE "FLESH" IN YOUNG PEOPLE'S SEXUAL SOCIALIZATIONABSTRACT. The positions of Christian leaders on the "management" of young people's sexuality, as contextualized within the sexual politics of the state, are discussed. They are the result of an ethnographic study undertaken through archival work, participating observation and interviews with 47 religious leaders in Recife PE Brazil. Analysis shows the space of religion as a disciplinary site, operating through transcendent reasoning ("responsibility"). The person is expected to incorporate such reasoning and make the appropriate differentiations between "right" and "wrong". AIDS and adolescent pregnancy appear as a result of "temptations of the erotic flesh". From the perspective of human rights and health, the article deconstructs the idea of the "flesh" as dominated by "temptation," and as an "essential force" which leads the person to stray/sin/"risk". It resituates sexuality as a positive instance for the subjects (with rights) and a condition for social fertility.
Resumo Os efeitos da terapia antirretroviral na transmissibilidade do HIV intensificaram a difusão de novas tecnologias biomédicas na prevenção do vírus. Este artigo discute concepções de risco e práticas de saúde em narrativas de profissionais e usuários sobre a Profilaxia Pós-Exposição sexual consentida (“PEP sexual”). Os dados resultam de um estudo de caso realizado em um serviço público de saúde. A análise pautou-se em estudos sobre risco e vulnerabilidades. Os resultados evidenciaram que os critérios epidemiológicos não são suficientes para responder à indicação da profilaxia, que os espaços de intersubjetividade circunscritos pela PEP sexual são atravessados por distintas lógicas de risco e por padrões morais discriminatórios. A concretização de práticas de saúde orientadas pela perspectiva do exercício da sexualidade como afirmação de um direito continua sendo um desafio.
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