Utilizando-se da abordagem semiótica e hermenêutica, o presente artigo discute algumas premissas relacionadas a análise da concepção popular de esquistossomose. Valendo-se de um trabalho de campo realizado no Estado da Bahia, são identificadas duas situações em que os atores sociais, em contextos específicos, constroem as significações dessa endemia: a significação de "primeiro grau" e de "segundo grau". O primeiro tipo de significação refere-se a experiências sensíveis, corporais e é intersubjetivamente compartilhada, enquanto que o segundo tipo é construído com base em significados formulados pelos agentes de saúde. Nesse último caso, a construção popular da doença está diretamente vinculada aos discursos e ações previamente estabelecidos por programas específicos de controle e combate da endemia.
Introdução"Os cães podem ser nossos melhores amigos, mas os camundongos são nossos melhores aliados na luta contra doenças". Essa frase foi dita por C. C. Little, fundador do Laboratório Jackson, um dos principais fornecedores de animais de pesquisa para todo o mundo (Rader, 2004, pp. 21-22). Isso porque, em parte por causa dos esforços do próprio Little e de seu laboratório, os camundongos se converteram em "reagentes biológicos puros a serviço de inúmeras linhas de pesquisa" (Idem, p. 25). Essa concepção acerca dos animais de labora-tório parece ser corrente hoje: camundongos são vistos como "instrumentos" ou "vidas instrumentalizadas", equiparáveis a outros componentes do aparato tecnológico-científico. Entretanto, os sinais de protesto e resistência à completa instrumentalização de camundongos, assim como de galinhas e porcos criados em "fábricas de carne", mostram a impossibilidade de uma completa subordinação dos animais a fins alheios aos seus e perturbam a narrativa que os define apenas como vítimas impotentes dos ditames humanos (Haraway, 2008).Assim como Haraway (2011), em vez de considerá-los vítimas, prefiro tratá-los como trabalhadores atuando em uma pluralidade de contextos de prática científica. Isso implica mostrá-los como criaturas ativas em um ambiente de trabalho, agentes de pleno direito, tanto quando resistem como quando colaboram com os humanos (Despret, 2013). Dizer que eles trabalham (e podem resistir ou colaborar) não equivale, entretanto, a afirmar
Resumo: A utilização de modelo animal, em especial camundongos e ratos, é uma prática consolidada nas pesquisas biomédicas, que visam, usualmente, caracterizar processos biológicos ou testar tratamentos, medicamentos em animais não humanos antes de verificar se os resultados se aplicam aos humanos. Tal uso de animais se assenta na proximidade genética entre humanos e roedores, portanto, na suposição de que os processos biológicos de humanos e animais são similares. Os corpos dos animais são tratados como substitutos ou representativos dos humanos, mas isso não significa dizer que são apenas representações cognitivas, eles são também encarnações de ações e práticas que constituem tipos de questões científicas e indicam que perguntas podem ser respondidas. O que este trabalho pretende interrogar são os modos práticos de produção de modelos animais. Como os animais se tornam portadores de doenças relevantes para os humanos? Como tornar seus corpos comensuráveis aos nossos?
This article inquires as to the meaning of nervoso(nerves) among poor, working-class women from Salvador, Brazil. Our aim is to understand nerves as an experience that emerges from the background of a life trajectory and that, in many significant ways, disrupts the taken-for-granted character of that trajectory. From a phenomenological-hermeneutical tradition, we explore the links between experience, embodiment and temporality and then discuss the relevance of this approach for the understanding of women’s nervoso. In order to do so we present the life histories of three middle-aged women who have been afflicted with nerves. The accounts describe significant ways in which culturally inherited possibilities - grounded in a lived context of class and gender - are recovered and come to pre-figure a certain future. As we argue throughout the article, it is only when we situate the experience of nervoso within the temporal frame of life that we can truly understand it - that is, grasp it as part of a movement that involves both recovery and creation of meaning.
O renovado interesse despertado pelo estudo das relações entre humanos e animais na antropologia envolve uma consideração sobre os modos como a vida e a morte de vários organismos vivos estão ligadas aos mundos sociais humanos, ou seja, o mundo comum é visto como um campo de relações mais amplo, povoado por uma miríade de seres com os quais os humanos se enredam. Em sintonia com as questões trazidas por esta literatura, a interrogação que conduz a discussão a seguir é: como pensar, a partir desta abordagem, as relações entre os pesquisadores e os roedores no laboratório, quando sabemos que estas são caracterizadas, de modo assertivo e direto, como meramente instrumentais? Neste artigo exploramos, a partir de investigação realizada em um laboratório e biotério pertencentes a uma instituição pública brasileira, qual o sentido prático da instrumentalidade neste contexto (os procedimentos formalizados para lidar com os animais, a produção de um modelo animal de doença, o aparato instrumental no qual os roedores estão inseridos), os modos de resposta dos animais e a existência de relações irredutíveis à objetificação entre os pesquisadores e os roedores. PALAVRAS-CHAVE: modelo animal, etnografia multiespécie, biotecnologia, biotério, dispositivo experimental, roedores. Experimental lives: humans and rodents in the lab Anthropology's renewed interest in the study of human-animal relations leads to considerations regarding the ways in which the life and death of various living organisms are connected to human worlds. This implies a definition of the common world as a wider field of relations, inhabited by a myriad of beings with which humans are enmeshed. Closely in tune with the questions raised by the anthropological literature on human-animal relations, the question that guides the following discussion is how to think, on the basis of this approach, relations between researchers and mice in the laboratory, when we know that these relations are characterized in a very assertive and outright manner as merely instrumental. Based on fieldwork carried out in the laboratory of a Brazilian public institution for scientific research, the article explores the practical meaning of instrumentality in this context (the formal procedures for dealing with animals, the production of an animal model of disease, the instrumental apparatus in which the rodents are inserted). It also addresses the animals' modes of answering to the experimental context and points to the existence of relations between researchers and rodents that are irreducible to objectification.
Analisa, a partir de notícias em jornais brasileiros, o caso da fraude científica dos embriões clonados, cometida pelo cientista sul-coreano Hwang. A exposição da ciência pela mídia costuma destacar aspectos intelectuais, descobertas e promessas de aplicação. Nesse caso a ciência é mostrada em seu avesso, e desvela-se a trama de fios que ligam elementos de naturezas diferentes: governo coreano, pesquisadores, instrumentos, fundos para pesquisa, óvulos e fungos, revistas científicas, entre outros. Tais vínculos, que constituem a ciência na prática, só ganham visibilidade na mídia devido às tensões entre esses diferentes elementos e aos aspectos ilícitos presentes nesse caso em particular.
Fabiana, estudante de medicina, pouco mais de 20 anos, loura e pequena, atende à d. Magali, uma senhora que aparenta ter por volta de 60 anos, negra e muito gorda.No começo da consulta, Fabiana falava com uma voz baixa e hesitante, parecia não ter incorporado bem o seu personagem e, por isso, tentava improvisar no papel de médica, sem demonstrar muita confiança em seu desempenho. Ao longo do encontro clínico, sua performance foi ganhando mais desenvoltura. E após concluir a primeira fase da consulta em que recolheu informações sobre a paciente (quando preencheu uma ficha com dados socioeconômicos, recuperou a história da doença, ouviu os sintomas, anotou os resultados das análises laboratoriais e fez o exame clínico: tomada de pressão e freqüência cardíaca), chegou então a hora de apresentar o caso aos preceptores para que eles deliberassem acerca de tratamento e/ou prescrevessem novos exames. Na ausência momentânea dos dois responsáveis pelo ambulatório (um cardiologista e uma endocrinologista), ela inicia a discussão do caso -ali mesmo, na sala em que há pouco prestava atendimento e em frente à paciente que fora objeto de sua atenção -com um residente de cardiologia, Alberto. A conversa entre eles flui sem problemas, até ela perguntar se pode recomendar a d. Magali que faça caminhadas.A resposta para esta questão o residente busca em um exame que mostra as zonas irrigadas ou obstruídas do coração. Comenta -sempre diante da paciente -que o caso parece ser gravíssimo, o resultado foi homogêneo e isto significa que está tudo obstruído ou desobstruído. Como ela teve um IAM e é muito gorda, diz ele, o mais provável é a primeira hipótese e o seu estado, portanto, é gravíssimo, repete ele, de modo que ela não pode ser liberada para nenhum tipo de atividade física.
scite is a Brooklyn-based organization that helps researchers better discover and understand research articles through Smart Citations–citations that display the context of the citation and describe whether the article provides supporting or contrasting evidence. scite is used by students and researchers from around the world and is funded in part by the National Science Foundation and the National Institute on Drug Abuse of the National Institutes of Health.
hi@scite.ai
334 Leonard St
Brooklyn, NY 11211
Copyright © 2024 scite LLC. All rights reserved.
Made with 💙 for researchers
Part of the Research Solutions Family.