O artigo tematiza os traços culturais e políticos do fenômeno da medicalização que se instituiu na sociabilidade brasileira por meio da moralização da família, nos moldes da ideologia higienista "cidadã". O estudo baseou-se na revisão de pesquisas historiográficas, contextualizando o surgimento da cidadania associada à forma como o higienismo, o saber especializado, sobretudo médico, e o controle social sobre a família, emolduraram perfis de indivíduos aptos à civilidade societária. Analisam-se os mecanismos do Estado para alinhar as políticas públicas emergentes à legitimação do modelo biologizante e seus reflexos na produção de conhecimentos ratificadores da ordem posta. Por fim, o artigo aborda as repercussões entre o passado e o presente e os dispositivos de afirmação da ideologia capitalista sobre a família brasileira, por meio da reatualização do fenômeno da medicalização. Conclui-se que o substrato desse tempo histórico configurou um projeto societário que permanece em movimento para a conservação do ideário que lhe deu origem e sustentação. Se, no passado, a obediência aos especialistas era o ícone da higiene-cidadã, atualmente cobra-se dos cidadãos e das famílias uma postura ativa na preservação da saúde e do ambiente como se esses bens coletivos estivessem ao alcance individual, desconsiderando os determinantes das iniquidades em saúde.
Refaz-se uma história da historiografia sobre o nascimento da saúde pública, já conhecida no Brasil, para apontar reducionismos. Procura-se esclarecer a posição de Rosen pela explicitação do salto da sua abordagem em relação a de Sigerist. Apresenta-se a recepção genealógica que Foucault faz de Rosen para desvelar uma transformação do direito público. Mostra-se como, impulsionando a história da medicina de Rosen e a história da pena da Escola de Frankfurt, a genealogia de Foucault expõe o poder de morte da razão de Estado recoberto pela invenção da política da vida. Procura-se reativar a compreensão dessa genealogia, fator decisivo no nascimento brasileiro da saúde coletiva, e desfazer os recobrimentos que lhe apagam a instigação revolucionária.
Parte-se das interrogações de Nietzsche e de Freud sobre a agressividade do animal homem. Pela via da epistemologia francesa, procura-se colocar essas interrogações no solo comum do nascimento das ciências da vida. Procura-se levantar as conseqüências que o Estado, na obra de Nietzsche, e a civilização (Kultur), na obra de Freud, trouxeram em termos de alteração da agressividade humana. Apesar da diversidade de caminhos, as obras dos dois autores tangenciam-se na idéia de que a agressividade que não pode ser manifestada livremente, pela pressão do Estado ou da civilização, retorna para dentro do indivíduo e contra ele próprio, produzindo o que Freud chama de culpa e o que Nietzsche chama de má consciência moral. A via de Freud, diferentemente da de Nietzsche, atravessa a idéia de instância da mente. Em ambos os autores, uma referência ao estágio primitivo da evolução humana é determinante.
In this article, a new history of medical knowledge on Carrion's disease is presented. In a preliminary review of historiography (since 1885), we have found the following narrative nucleus (still repeated today): 1) until 'Oroya fever' appeared (1871), only an eruptive disease, the Peruvian wart, was known; 2) in 1875, Peruvian physicians proposed that Peruvian wart and Oroya fever should be the same disease; 3) in 1885, Daniel Carrión succeeded in experimentally unifying the clinical conditions when he inoculated blood from a patient of Peruvian wart in himself and died of Oroya fever; and 4) the disease was then renamed as 'Carrion's disease'. Herein, we question some of the foundations of this traditional version. The medical literature published in English, German, and French show that a global clinical description of the disease was already known in the period 1842-1871. Only the medical literature published in Spanish described the illness as an afebrile dermatosis. Obstacles to the knowledge of the disease were also found, which explain such divergence. Diversity and inconstancy of general and local symptoms (such as fever and eruptions, respectively): 1) made it difficult a comprehensive understanding of manifestations; 2) suggesting a constant complication of malaria; 3) and precluding analogy with eruptive fevers. Differently from what the traditional version suggests, these obstacles were overcome previously and independently from the appearance of the spurious notion of 'Oroya fever'. Overcoming of such obstacles was not achieved by unification of both diseases, but by perception of a coordination of manifestation of heterogeneous symptoms. Such rationalism allowed integration of symptoms that a shallow empiricism kept separated as isolated pathological phenomena, favoring clinical differential diagnosis between Peruvian wart and malaria. This epistemological study contributed to a greater understanding of mechanisms of building of nosologic unity in the Clinical Age of medicine.RESUMENNeste artigo, uma nova história do conhecimento médico sobre a doença de Carrión é construída. Em uma preliminar revisão da historiografia (existente desde 1885), encontramos o seguinte núcleo narrativo (ainda reiterado, atualmente): 1) até o surgimento da ‘febre de Oroya’, em 1871, conhecia-se apenas uma doença eruptiva, a verruga peruana; 2) em 1875, a medicina peruana propôs que a verruga peruana e a febre de Oroya deviam ser a mesma doença; 3) em 1885, Daniel Carrión conseguiu experimentalmente unificar os quadros clínicos quando inoculou em si mesmo sangue de um paciente com verruga peruana e morreu com febre de Oroya; 4) a enfermidade passou a denominar-se ‘doença de Carrión’. Este artigo questiona alguns dos fundamentos desta versão tradicional. A literatura médica publicada em inglês, alemão e francês mostra que, entre 1842 e 1871, já existia a descrição clínica global da doença. Apenas a literatura médica publicada em espanhol descrevia a doença como dermatose apirética. Descobriram-se também os obstáculos ao conhecimento da doença, que explicam esta divergência. A disparidade e a inconstância dos seus sintomas, os gerais e os locais (tal como febre e erupções, respectivamente): 1) dificultavam a compreensão global de suas manifestações; 2) sugeriam uma complicação constante do paludismo; 3) e barravam a analogia com as febres eruptivas. Diferentemente do que propõe a narrativa tradicional, estes obstáculos foram superados antes e independentemente do aparecimento da noção espúria de ‘febre de Oroya’. A superação não veio pela unificação de duas doenças, mas pela percepção de uma coordenação na manifestação dos sintomas heterogêneos. Este racionalismo conseguiu integrar sintomas que um empirismo raso apartava, como fenômenos patológicos isolados, e encaminhar o diagnóstico diferencial clínico entre a verruga e o paludismo. O saldo epistemológico deste trabalho é uma maior compreensão dos mecanismos da construção da unidade nosológica, na Idade Clínica da medicina.
A reforma psiquiátrica no Brasil é um campo marcado por tensões de discursos e de práticas que colaboram para torná-la um processo complexo e, por isso, potente em material de análise. No presente artigo visa narrar, tecendo articulações entre discurso e poder no campo da saúde mental, o acontecimento da reforma psiquiátrica em Goiânia como parte da história dessa reforma em âmbito nacional. Para isso, apresenta-se a conformação da Rede de Atenção Psicossocial do Município de Goiânia; discutem-se os retrocessos da gestão política da Saúde Mental no Brasil, nos últimos anos, e os possíveis efeitos disso para o campo da saúde mental e para o Sistema Único de Saúde, agora agravados pela pandemia COVID-19.
Apresentação do dossiê "Abordagens em História da Loucura"
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