As manifestações culturais marginais do século XX foram capturadas e transformadas em mercadoria. A aceleração do tempo de giro do consumo e a superação das barreiras espaciais fizeram com que a produção de imagens e sistemas de signos se tornasse a “mercadoria” ideal para a acumulação do capital, seja ela conformista ou “subversiva”. Na atual conjuntura, qualquer “novidade” já surge obsoleta, como resultado de uma corrida frenética e infrutífera contra um mercado inelutável que transforma tudo em mercadoria. Mesmo atitudes, experiências ou ações artísticas ditas “marginais” são anuladas rapidamente por meio da corporificação e mercantilização da obra e do artista, ou esvaziadas por meio de sua espetacularização. Qual seria o sentido do termo “arte revolucionária” num sistema em que o marketing se confunde com a arte? Como adotar uma posição revolucionária nesse sistema que tudo devora, digere e regurgita em proveito próprio?
PrólogoQuando rejeitou o cubismo, Duchamp estava na realidade recusando a autossuficiência da pintura, sua "seriedade excessiva, sua concepção sagrada de missão e fervor religioso" 1 . Suas investigações estéticas eram permeadas pelo vulgar, pelo obsceno e pelo escabroso. Evidenciavam sua posição contra uma obra de arte autônoma e resguardada de qualquer contato com o mundo real.Duchamp comprovou que o modo de produção dos signos afetava o próprio processo de conhecimento. Abriu caminho para práticas artísti-cas inusitadas que pretendiam restabelecer a afinação entre a arte e o mundo real. Essas investidas formatavam a insatisfação dos artistas com relação à progressiva conversão da obra de arte em mercadoria, e invadiam outras áreas como as do político e do social. Apesar de muitas vezes espantarem o público e irritarem a crítica, acabaram por subverter paradigmas comportamentais e alterar os processos simbólicos e imaginários.Com o passar do tempo, o vulgar, o obsceno, o escabroso e outros procedimentos artísticos antes inusitados foram absorvidos pelo mercado. As manifestações culturais marginais foram capturadas, os procedimentos de resistência popularizados, a "subversão" transformada em mercadoria 2 . Toda insubordinação artística foi completamente anulada pelo capitalismo 3 .1 KRAUSS, O fotográfico, 2002, pp. 77-78. 2 Já em 1956, Guy Debord e Gil Wolman, em "Um guia prático para o desvio", identificavam a necessidade de ultrapassar o mero escândalo e utilizar a herança literária e artística da humanidade com objetivos de guerrilha: "Já que a oposição à noção burguesa de arte e gênio artístico se tornou há muito um sapato velho, o bigode que Duchamp pintou na Mona Lisa não é mais interessante do que a própria Mona Lisa sem bigode. Nós precisamos empurrar este processo ao ponto de negar a negação" (DEBORD, Um guia prático para o desvio [A user's guide to détournement], em Les Lévres Nues, 1956). 3 Rosalind Krauss descreve o capitalismo como o "senhor do détournement" pois ele absorve todo protesto de vanguarda, desviando-o em proveito próprio. Da mesma maneira, toda "crítica institucional" acaba sendo sugada pelas mesmas instituições de marketing global das quais depende para seu sucesso e apoio (KRAUSS, A voyage on the North Sea, 2000, pp. 33-34). 15Na atual conjuntura, toda "novidade" 4 já surge obsoleta, como resultado de uma corrida frenética e infrutífera contra um mercado inelutável que tudo devora, digere e regurgita. Qualquer ação, situação ou experiência de arte "marginal" é anulada por meio de sua coisificação e mercantilização, ou esvaziada por meio de sua espetacularização. Pelo simples fato de existir, torna-se tão mercadoria quão uma pintura ou escultura tradicional 5 . Quanto mais "marginal" e "vanguardista" for o epíteto adotado pelo artista, mais satisfeito fica o mercado ao incorporá-lo ao sistema, e comprovar, assim, sua onipotência sobre a pretensa subversão. Quais são então as opções do artista? Assumir o papel de bobo da corte? Reivindicar a posição alienada de "silêncio polític...
No abstract
Decifra-me ou devoro-te apresenta uma análise da obra Olympia, do artista Edouard Manet. Trata-se de estabelecer uma comparação entre a pintura de Manet e o conto de E. T. A. Hoffmann, O homem de areia, levando-se em conta a relação entre as personagens femininas de ambos e a mercadoria.
Nos últimos anos, a revista ARS veio ampliando de modo gradual seu escopo de atuação, incursionando por temas diversos das artes e da cultura, nem sempre diretamente ligados às artes visuais, mas de inegável interesse para a área. Essa ampliação do escopo não alterou, todavia, o foco prioritário da publicação, que segue sendo as artes visuais. A mudança foi instigada por um difuso sentimento de inquietação, crescente nos últimos tempos; para todos, tornava-se cada vez mais incontornável o imperativo de uma visão mais complexa e multifacetada da arte, especialmente a partir do final da década de 2010. Sob o signo do agravamento da situação mundial, com a crise ambiental e o colapso social que resultava do recrudescimento da desigualdade e da fome, amadurecia, enfim, entre os editores, o desejo de oferecer um quadro mais complexo e diversificado da arte na atualidade, capaz de mostrar a produção artística implicada no horizonte mais amplo da realidade política e social contemporânea.
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