A análise biomédica costuma destacar o aspecto biopsicossocial da dor crônica, caracterizado por abranger a doença como um todo sob um olhar multidisciplinar. No entanto, como a noção de conjunto social é mobilizada nessa síntese? Interessado em enactments da prática clínica da medicina especializada em dor crônica, analiso como tais práticas compõem (in)distinções que envolvem o biológico, o psicológico e o social. Influenciado pelos estudos antropológicos da ciência, do corpo e da saúde, priorizarei nesse artigo a descrição etnográfica de consultas e de discussões de casos clínicos em um hospital universitário para sugerir que fronteiras biossociais são instáveis e exigem coordenações ontológicas. Desse modo, indicarei que o corpo com dor crônica delimitado em uma consulta se mostra atravessado por políticas públicas, relações familiares, estratégias econômicas, materialidades e desejos diversos, por isso se torna resistente ao completo isolamento analítico dos fatores discriminatórios capazes de estabilizarem biologia, psicologia e relações sociais.