A análise biomédica costuma destacar o aspecto biopsicossocial da dor crônica, caracterizado por abranger a doença como um todo sob um olhar multidisciplinar. No entanto, como a noção de conjunto social é mobilizada nessa síntese? Interessado em enactments da prática clínica da medicina especializada em dor crônica, analiso como tais práticas compõem (in)distinções que envolvem o biológico, o psicológico e o social. Influenciado pelos estudos antropológicos da ciência, do corpo e da saúde, priorizarei nesse artigo a descrição etnográfica de consultas e de discussões de casos clínicos em um hospital universitário para sugerir que fronteiras biossociais são instáveis e exigem coordenações ontológicas. Desse modo, indicarei que o corpo com dor crônica delimitado em uma consulta se mostra atravessado por políticas públicas, relações familiares, estratégias econômicas, materialidades e desejos diversos, por isso se torna resistente ao completo isolamento analítico dos fatores discriminatórios capazes de estabilizarem biologia, psicologia e relações sociais.
O acesso facilitado a materiais de produção audiovisual tem oportunizado que antropólogos não especializados em antropologia visual sejam também realizadores de produções fílmicas, ocasionando uma crescente diversificação nos modos de fazer e nas obras resultantes. Considerando-se a fronteira por vezes tênue entre documentários cinematográficos e filmes que reivindicam caráter etnográfico, torna-se de grande relevância que esses realizadores compartilhem suas reflexões sobre estratégias narrativas, interações propiciadas pelo uso da câmera, dilemas éticos e estéticos envolvendo a produção e a circulação dos seus filmes. Neste artigo, abordarei tais aspectos centrado na elaboração de Epidemia de Cores, documentário realizado por mim em um hospital psiquiátrico no qual desenvolvi pesquisa etnográfica por longo período, que teve exibições em festivais etnográficos e no circuito cinematográfico. A longo do artigo, destacarei o protagonismo das materialidades, a interação a partir de fotografias feitas durante o período de filmagem e a maneira como influências teóricas parecem ter se expressado na tentativa de produzir afetos por meio da linguagem audiovisual.
Cientista social, mestre e doutor em antropologia social pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Diretor do documentário Epidemia de Cores. Integra o grupo de pesquisa Ciências na Vida: Produção de conhecimento e articulações heterogêneas (PPGAS/UFRGS) e o Grupo Transdisciplinar Arte e Loucura Tania Mara Galli Fonseca (NUTAL/UFRGS). Tem como área de interesse a antropologia da imagem, da ciência e da saúde e realizou etnografias nas temáticas da loucura, do efeito placebo e da dor. Este ensaio visual aborda a produção expressiva das Vestes Falantes, conjunto de pinturas de autoria de Solange Luciano, criadas na Oficina de Criatividade do Hospital Psiquiátrico São Pedro. Sugiro que a produção dessas obras impõe problematizações éticas, estéticas e políticas que propiciam explorar categorias como arte e loucura. A mediação da câmera foi concebida como um convite ao devir, valorizando o improviso, a relação de subjetividade e a capacidade de evocação das imagens. Sem abdicar de características estéticas associadas à expressão artística, o ensaio busca explorar a poética e a política da linguagem fotográfica.
Uma narrativa fotográfica no ateliê da Oficina de Criatividade do Hospital Psiquiátrico São Pedro, espaço dedicado à arteterapia. Por meio de imagens de dois frequentadores assíduos adeptos à pintura, busco sugerir que o ambiente é um espaço de produção de existência. Mais do que arte, a obra é de vida.
scite is a Brooklyn-based organization that helps researchers better discover and understand research articles through Smart Citations–citations that display the context of the citation and describe whether the article provides supporting or contrasting evidence. scite is used by students and researchers from around the world and is funded in part by the National Science Foundation and the National Institute on Drug Abuse of the National Institutes of Health.