10cia histórica. Não faltam -é certo -as histórias da medicina e de suas subdivisões. Falta, porém, a essas o sentido de uma verdadeira historicidade: na maior parte dos casos, busca-se apenas no passado as prefigurações imperfeitas do saber contemporâneo, afinando o elogio da plenitude presente.Uma das dimensões mais notáveis da história crítica dos saberes biomédicos é sua intrínseca articulação com as linhas mestras do movimento ideológico de nossa cultura. Sua intenção universalista se alia, assim, certamente ao horizonte igualitário progressivamente afirmado por volta do século XVIII. Propiciar a 'saúde' para todos os membros da recém inventada 'humanidade', por meio de um crescente conhecimento do funcionamento do corpo humano (e quiçá de suas 'funções superiores') é um projeto inseparável da afirmação do mundo público moderno, sustentado pela constituição de nações compostas por cidadãos conscientes e livres.Como em todos os outros níveis de organização da modernidade, também a biomedicina vai aos poucos -e desde muito cedo -tendo que lidar com a reinstauração da Diferença. Seus saberes auxiliares ou particulares, a anatomia comparada, a biologia, a antropologia física, a psiquiatria, vão fornecendo os argumentos necessários à transposição para o mundo da 'corporalidade' de demarcações morais justificatórias de novas hierarquizações dos seres humanos. Esse processo -tão bem analisado por Fabíola Rohden -se consolida com particular clareza na ginecologia nascente. Trata-se de um de seus capítulos mais fascinantes, por tematizar o principal eixo da Diferença Reinstaurada: a oposição entre os gêneros (ou entre os 'sexos', como se dizia antes).Com efeito, ao longo do século XIX, a Diferença se afirmou entre os 'povos' civilizados e os selvagens; entre as 'classes perigosas' e os bons cidadãos; entre os 'loucos', 'criminosos' e 'crianças' e os 'adultos normais'. E também, por certo, entre o 'gênio criador' e o homem comum -fonte da idéia de uma 'aristocracia do espírito'. Criou-se o 'homossexual', para dar conta de supostas diferenças do 'instinto sexual'. Inventou-se um novo conceito de 'raça', sediado na corporalidade e também portador de qualidades morais, boas ou ruins.A construção mais complicada, porém, foi a do novo estatuto da oposição entre homem e mulher, cuja história bem se vê retraçada neste livro. Ela envolvia um fenômeno particularmente estratégico da modernidade: a definição de seu novo modelo de 'família' -a tal 'célula mater' da sociedade. A partir do século XVIII, como já nos mostrou Foucault, tornou-se necessário em nossas sociedades passar a produzir 'indivíduos' e não apenas 'pessoas'. Esses novos personagens deviam se distinguir dos membros das sociedades passadas por seus atributos de liberdade e igualdade, consubstanciados no claro exercício de uma consciência desembaraçada de qualquer heteronomia. Para essa desafiante tarefa, não havia como não passar pelo formato regular da descendência de um homem e uma mulher, agora eles próprios individualizados pelo 'amor romântico', associados po...
Resumo: Este artigo tem o objetivo de discutir a construção da gravidez na adolescência enquanto um problema social. Visa também apresentar e analisar os dados da etapa qualitativa da pesquisa Gravidez naEste artigo é resultado das discussões coletivas dos dados qualitativos da pesquisa GRAVAD por todos os seus participantes. Por isto que, pouco usual na área da Antropologia, sua autoria é creditada a todos eles.
This article discusses the work of some key players in the current debate on the construction of the notion of sexual difference in modernity, taking as the focus of analysis and illustration the theses submitted at the School of Medicine in Rio de Janeiro, Brazil, during the 19th century. The objective is to confront the argument that the difference between the sexes comes to be taken for granted and considered immutable by science. This emphasis on a natural difference between the sexes is related to transformations that occurred beginning in the late 18th century (growing industrialization and urbanization, more extensive participation by women in the labor market, the emergence of women's rights movements) that required changes in the established gender relations. Still, it is precisely through the attempts to prove that the difference was natural that one perceives how unstable and threatening it was. Interventions such as women's education and labor market participation were capable of altering and even "subverting" the difference. Thus, "natural" was not synonymous with definitive or guaranteed.
Within the context of the theoretical debate on gender and science, the article discusses the process of redefining gender and sex differences using so-called biological or natural markers. It identifies how gender differences undergo naturalization using a logic of 'substantialization or 'materialization'. This process is exemplified in how medicine views women, promoting explanatory models of economics of the female body that are at times centered around organs like the uterus and ovaries, at other times centered on the mechanics of hormones, and, most recently, focused on genetic and neurological differences. More specifically, it follows the discovery of so-called sex hormones and its relation to a dualist perspective of gender. These powerful chemical messengers helped shaped the passage from the logic of excess surrounding sex through the late nineteenth century, to the imperative of insufficiency, prevalent since the mid-twentieth century.
the coordination of several ministries of the Brazilian Federal Government, the British Council
Tem sido cada vez mais evidente nos últimos anos a enxurrada de notícias acerca das disfunções sexuais, sobretudo em torno de sua ampla definição e alcance e dos tratamentos disponíveis. Desde o lançamento oficial do Viagra, em 1998, temos assistido à consolidação de uma nova era no processo de medicalização da sexualidade, em muito orientada pela presença da indústria farmacêutica. É incontável o número de pessoas que fazem uso das inovadoras tecnologias relacionadas ao desempenho sexual e que são atingidas por um novo e pregnante discurso normativo em torno do sexo, expresso, por exemplo, na noção de "saúde sexual" já chancelada oficialmente pela própria Organização Mundial de Saúde. Também é notável, contudo, a relativa escassez de trabalhos científicos que tenham tomado esse fenômeno de grandes proporções mundiais como objeto de estudo, especialmente considerando o campo da saúde coletiva. Talvez isso ainda reflita uma certa reticência da área em considerar a sexualidade como domínio legítimo de investigação, principalmente quanto se trata, de maneira estereotipada, da chamada sexualidade 'normal', construída em torno dos parâmetros do casal heterossexual. O sexo promovido na era do Viagra é aquele focado na ideia de satisfação e estrategicamente separado dos constrangimentos históricos relacionados à prática sexual, como seria o caso da reprodução não desejada e das doenças sexualmente transmissíveis.2 Saímos, portanto, tanto do plano dos estudos sobre reprodução e controle da natalidade quanto das doenças sexualmente transmissíveis (DSTs) e HIV/AIDS que têm produzido um robusto arcabouço de análise na interface entre sexualidade e saúde.O que se pretende neste artigo é uma análise crítica das contribuições internacionais mais importantes e atuais que têm tomado a etapa recente da medicalização da sexualidade como tema de pesquisa. Essa medicalização é aqui entendida enquanto um fenômeno bastante amplo e complexo que envolve desde a definição em termos médi-cos de um comportamento como desviante até as descobertas científicas que o legitimam, os tratamentos propostos e a densa rede de interesses sociais, políticos e econômicos em jogo.3 Engloba também, nesse sentido, questões correlatas mais específicas como o processo de desmedicalização envolvendo a perda de poder estrito dos médicos em face da indústria farmacêutica ou do alargamento do conjunto de profissionais destinados ao tratamento da sexualidade. 4 Os trabalhos em cena, de um modo geral, transitam na linha dos estudos socais da ciência. A maioria centra-se na produção da categoria e do diagnóstico de "disfunção sexual", seja considerando o caso masculino, mais amplamente estudado pela via da "disfunção erétil", seja o caso feminino, muitas vezes traduzido pela ideia de uma suposta complexidade da sexualidade das mulheres.A perspectiva que utilizo tem como referência também os estudos sociais da ciência e, especialmente, as contribuições da antropologia e da história da medicina. Contudo, uma reflexão mais apurada do caso em questão se constrói p...
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