Os campeiros escravizados nas estâncias de criação de gado no Rio Grande do Sul no século XIX trabalhavam a cavalo, armados e sem fiscalização constante em uma região perto de fronteiras internacionais, o que certamente facilitava sua resistência, especialmente as fugas. A evidência examinada aqui sobre as relações entre os senhores e estes cativos confirma aspectos centrais do argumento de James Scott, mostrando que a maioria desses escravos não acreditava que seu cativeiro fosse justo e que a resistência cotidiana e de pequena escala proporcionava melhorias nas suas condições materiais e simbólicas de vida. Entretanto, a evidência não é totalmente coerente com outro argumento de Scott, segundo o qual a deferência dos subalternos é simplesmente fingida e as exigências deles são formuladas dentro da lógica hegemônica por motivos puramente estratégicos. Os campeiros cativos não se rebelavam ou evadiam a cada oportunidade que aparecia. A evidência sugere que, dado a existência da escravidão, eles reconheciam as normas e obrigações morais que haviam se desenvolvido ao longo do tempo para regular as relações entre senhores e cativos. Essas normas implicavam obrigações de ambos os lados e, em muitos casos, constituíam a melhor maneira de limitar a brutalidade dos senhores ou capatazes e de ganhar algumas melhorias dentro do sistema. Existe uma diferença importante entre a legitimidade de um sistema de dominação e a autoridade de indivíduos com poder dentro do sistema. Como indivíduos, os senhores podiam ganhar o respeito dos cativos pelo tratamento relativamente decente e pela distribuição de favores. Os escravos estavam enredados em uma teia de relações pessoais de poder que minavam sua solidariedade, separando e individualizando-os, premiando a lealdade a senhores específicos e punindo a rebeldia.Palavras-chave: Resistência Cotidiana; Dominação; Rio Grande do Sul.
EVERyDAy RESISTANCE, ESCAPES AND NEGOTIATED DOMINATION: ENSLAVED campeiros IN RIO GRANDE DO SUL, BRAZILThe enslaved cowboys on the cattle ranches of 19th century Rio Grande do Sul worked on horseback, armed and without constant supervision in a region close to international borders, which certainly facilitated their resistance, especially flight. The evidence examined here regarding relations between masters and these captive confirms som central aspects of James Scott's argument, showing that most of these slaves did not believe their captivity was just and that small scale and everyday resistance brought important improvements in their material and symbolic living conditions. However, the evidence is not completely consistent with another os Scott's arguments, according to which subaltern deference is simply simulated and their demands are formulated within the hegemonic logic for purely strategic reasons. The enslaved cowboys did not rebel or run away at every opportunity that appeared. The evidence suggests that, given the existence of slavery, they recognized the norms and moral obligations that had developed over time to regulate relations between ma...