Dimensões socio/antropológicas e o lugar da narrativa na teoria da relação com o saber

Abstract

Bernard Charlot apresenta como constrói a passagem de seus estudos fundados na teoria da relação com o saber para as pesquisas sobre a educação e barbárie, que contribuem para compreender os desafios da contemporaneidade. Enfatiza, para tanto, as dimensões socio/antropológicas da teoria da relação com o saber e a necessidade de recolocar a questão do homem, do mundo humano e da humanização no centro do debate em educação. Compreende o pesquisador como aquele que identifica e analisa as contradições da nossa sociedade e da escola e, portanto, se interessa pelo sentido que os estudantes atribuem à vida, à escola e aos estudos. Desse modo, para o autor, a narrativa nos estudos com a teoria da relação com o saber contribui por propiciar os conteúdos dos discursos produzidos pelos participantes da pesquisa. Por fim, ele questiona os modos de fazer pesquisa nos quais os resultados são meras descrições das narrativas singulares. Considera importante que, a partir das análises de tais narrativas, haja um aprofundamento teórico, para a construção de respostas às suas questões como pesquisador, o que pressupõe a produção de conhecimento a partir da identificação de processos que permitam a compreensão de outros casos singulares.

Relação com o Saber: Impactos na Pesquisa no Ensino e na Aprendizagem

“…A relação com o saber refere-se a um conjunto de significados conexos com o mundo e com o saber, que vão se construindo ao longo da história, ou seja, acontecimentos e eventos que ocorrem durante a trajetória dos indivíduos, formando e reformando sua personalidade, por meio de sentidos e desejos singulares (Charlot, 2013).…”

“…Desse modo, a relação com o saber enquanto conceito implica o desejo pelo saber, estritamente relacionado com o prazer particular de cada sujeito, influenciada por encontros e eventos, que modificam e formam a identidade, estabelecendo relações com o mundo, que apenas fazem sentido por referência à sua trajetória e à sua formação como cidadão. Para tanto, Charlot (2000Charlot ( , 2001Charlot ( , 2005Charlot ( , 2013 indica que as relações devem ser compreendidas a partir de três dimensões: epistêmica, identitária e social.…”

“…Assim, a análise do material decorrente das entrevistas e dos questionários segue os princípios da regra da exaustividade, conservando todas as respostas e não empregando a seletividade (BARDIN, 1977). Para isso, elaborou-se um quadro para cada questionamento (Q1, Q2, Q3 e Q4), compostos por duas colunas: na primeira, estão inseridas as respostas dos sujeitos; na segunda, após a interpretação e análise exaustiva, são elencadas unidades de registros que posteriormente foram agrupadas em 11 categorias, a saber: C1: Elementos conceituais: Refere-se ao desenvolvimento teórico da relação com o saber, expondo novos entendimentos, envolvendo associações estabelecidas com outras abordagens que apresentem convergência ao debate já constituído por Charlot (1992Charlot ( , 1997Charlot ( , 1999aCharlot ( , 1999bCharlot ( , 2000Charlot ( , 2001Charlot ( , 2003Charlot ( , 2006Charlot ( , 2005Charlot ( , 2013Charlot ( , 2020Charlot ( , 2021. Para tanto, abrange perspectivas sobre processos de evolução do conhecimento, englobando ensino e aprendizagem, bem como aspectos históricos ou epistemológicos que compreendam questões sociólogas, psicanalíticas ou didáticas.…”

“…Para tanto, ao buscar subsídios teóricos para elucidar problemas cotidianos, é substancial abordar aspectos sociais e culturais na prática [...] todo conhecimento científico tem uma intencionalidade teórica que é, sócio-historicamente, uma intencionalidade prática que o funda, correspondendo aquela intencionalidade a uma visão transcendentalizada das condições necessárias à resolução dos problemas sociais concretos. (Santos & Matos, 1999, p.47) Deste modo, evidencia-se a noção da relação com o saber por compreender questões socioculturais e identitárias, construídas em um espaço cultural, considerando a história singular do sujeito (Charlot, 2013). A partir disso, articulações que pesquisadores estabelecem com tal abordagem teórica podem constituir proximidades ou distanciamentos entre o discurso e sua própria prática pedagógica (Charlot, 2000).…”

Políticas de formação inicial docente no Brasil: novas versões, antigas concepções

“…No terceiro tópico, articulamos as discussões fomentadas por autores que tratam da BNC-Formação aos tensionamentos que reverberam nas questões teórico-práticas no currículo da formação nacional do professor, que mais formata que forma, uma proposta homogênea que desconsidera os sujeitos que ingressam nas licenciaturas em sua condição social, econômica e cultural. O texto da BNC-Formação evidencia um conflito que provém de tendências mercadológicas que enxergam o professor como mero executor de teorias criadas por outros, muito distante das concepções de professor construídas e defendidas por pesquisadores e profissionais da Educação nas últimas décadas, que compreendem o professor como construtor e reconstrutor de seus conhecimentos, experiências e concepções, que constrói sua relação com o saber e atribui sentidos à sua atividade produtiva (FRANCO, 2008;CHARLOT, 2013).…”