A música gospel e os usos da “arma da cultura”. Reflexões sobre as implicações de uma emenda.

Abstract

RESUMO: Este trabalho trata do caso do reconhecimento da música gospel como manifestação cultural a partir de emenda à Lei n° 8.313/91 (a "Lei Rouanet") de Incentivo à Cultura. Embora a lei Rouanet já reconhecesse a "música" como campo geral apto a receber incentivos e alguns projetos gospel já houvessem sido contemplados, a emenda provocou críticas e mesmo um parecer contrário por parte do Ministério da Cultura. A análise deste caloroso debate permite problematizar os diferentes sentidos com que têm sido acionados termos como 'Cultura', 'Estado' e 'Religião'. Essa reflexão se combina ao trabalho de autores como Talal Asad e Susan Wright, que têm demonstrado que tais categorias precisam ser compreendidas como historicamente construídas e como 'nativas', capazes de legitimar e deslegitimar certas configurações de poder. Assim, a reflexão sobre os usos da "arma da cultura" pelos evangélicos no Brasil (problema para o qual Clara Mafra chamava a atenção em 2011) revela confluências desafiadoras entre a religião e o estabelecimento de políticas públicas.

Marcos Legislativos de Regulação do Religioso no Brasil: Estatuto da Igualdade Racial, Acordo Brasil-Vaticano e Lei Geral das Religiões

“…A aproximação dos argumentos culturalistas, sedimentada no debate público para as religiões afrobrasileiras, parece ser um movimento agora começado também pelos evangélicos a partir de um discurso de "minoritização" que aciona conjuntamente a ideia de "liberdade religiosa". Um exemplo é o pleito aos recursos públicos para a música gospel a partir da sua alocação na "produção cultural" (Sant'ana, 2013). Outro exemplo está no próprio Estatuto da Liberdade Religiosa, cujo texto dá garantias à presença no espaço público de imagens religiosas sob a rubrica do "cultural".…”

“…Os três textos ensejam diferentes controvérsias e dão mostras de que prerrogativas são identificadas como "direitos religiosos" como direitos dos coletivos e seus adeptos em cada um desses casos. Fazem-no, vale dizer, a partir de uma pretensão regulatória incorporada pelo Estado (Giumbelli, 2014;2013); porém, esta regulação parte de diferentes lugares e está informada por preocupações também distintas em cada caso. Neste jogo, generalidade e particularidade tornam-se variáveis de análise muito importantes a serem salientadas nos textos normativos.…”

Promovendo a "Cultura Do Reino": Notas Sobre Música, Religião E Cultura a Partir De Uma Juventude Evangélica No Sul Do Brasil

“…Na senda das reflexões que acompanham este debate está incluído o desenvolvimento do conceito de "cultura gospel", tomado como um marcador da música evangélica e de seu mercado e nicho midiático. Atrelado ao gospel, o conceito de "cultura" chama a atenção por ser um mediador produtivo nas relações entre segmentos evangélicos e políticas culturais promovidas pelo Estado (Mafra, 2011;Sant'Ana, 2013).…”

Transposing Brazilian Carnival: Religion, Cultural Heritage, and Secularism in Rio de Janeiro

“…Notably, Brazilian state institutions support both the evangelical and the Afro‐Brazilian movements. While some state institutions affirm the religious roots of national cultural practices by way of federal intangible heritage programs, others uphold distinctions between culture and religion by way of jurisprudence (Sant'Ana ).…”

“…Sant'Ana () describes a fascinating case in which the intermarriage between religion and culture under Brazilian legislation took a new twist; evangelical celebrities received state funding for gospel concerts because they contributed to “Brazilian culture.”…”