Resumo: O artigo analisa, a partir das considerações sobre biopolítica de Michel Foucault e Giorgio Agamben, a construção da população negra como população-sacer no contexto de emergência da chamada ideologia da democracia racial no Brasil na primeira metade do século XX. Problematiza a democracia racial enquanto dispositivo biopolítico a partir do qual o corpo-espécie da população é constituído considerando os princípios eugenistas que propõem a inclusão-exclusiva da população negra na construção da narrativa identitária nacional, bem como problematiza a miscigenação como estruturante da eugenia nacional no período. Destaca, nos anos 1930, a efetiva emergência da biopolítica no Brasil, chamando a atenção para os saberes estatísticos no processo de formação do corpo-espécie da população, desdobrado da política de branqueamento e da neutralização do racismo, traduzidos na democracia racial como elemento constitutivo da nacionalidade brasileira. A democracia racial se institui como elemento fundamental da narrativa identitária nacional a partir da qual não somente se nega o racismo, mas se mobilizam estratégias de branqueamento da população em que os processos de subjetivação étnico-raciais são contornados pela dinâmica da mestiçagem. Um dos desdobramentos desta dinâmica da mestiçagem foi a "pardificação" da população, como fica evidente nos censos a partir dos anos 1940.Palavras-chave: democracia racial, população-sacer, biopolítica, eugenia, história.
IntroduçãoE ste texto propõe discutir, apoiado nas considerações de Michel Foucault e Giorgio Agamben, sobre biopolítica, a racionalidade a partir da qual a população negra foi constituída como sacer no processo de construção da chamada "ideologia da democracia racial" no Brasil, na primeira metade do século XX. A "democracia racial" é entenedida como o arranjo político -ou melhor, biopolítico -desdobrado das estratégias eugenistas que sustentaram o projeto de branqueamento da população brasileira no contexto da pós-abolição, promovendo um processo de inclusão-exclusiva do negro na constituição do corpo-espécie da população. O que problematizo, neste caso, é como foi fundada a racionalidade a partir da qual a população negra foi construída como sacer, abarcada num processo que a institui para fazê-la "desaparecer".Para dar conta da problemática proposta, o artigo está dividido em duas seções. Na primeira, intitulada "Biopolítica e vida nua", teço algumas considerações sobre biopolítica e Homo sacer (zoé, vida nua), articulando o pensamento de Michel Fou-