O texto problematiza as competências gerais da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) enquanto articuladoras do governo da população brasileira pelas vias educacionais, operacionalizada por uma racionalidade neoliberal. Entende-se, através da analítica de Michel Foucault, que esse documento, enquanto estabelece uma regulamentação à organização curricular do sistema educacional no Brasil, conduz, igualmente, a forma como se constituem os sujeitos que acessam as escolas. Tais processos se desenvolvem através da produção discursiva do próprio documento, compreendido neste texto como um dispositivo de segurança. Almeja-se mostrar como as práticas discursivas veiculadas pela BNCC objetivam produzir sujeitos que assimilarão os preceitos neoliberais como um modo de vida, empreendedores de si, aprendizes permanentes e competitivos. Com a publicação da BNCC, em 2017, a educação no Brasil se vincula a uma política contemporânea de estreitamento entre a educação brasileira e o corolário neoliberal do empresariamento social. A BNCC não deve ser analisada como um documento que se refere apenas aos sujeitos escolares – docentes e discentes; mas sim, enquanto imbricada em relações de poder e de produção de subjetividades, precisa ser entendida como um elemento estratégico na regulação das condutas sociais. Assim é que a governamentalidade neoliberal é entendida como um modo de ser, um ethos, que tem nas competências gerais da BNCC um dispositivo fundamental para a disseminação do modelo empresa como princípio de funcionamento de toda sociedade.
Eram pardos, todos nus, sem coisa alguma que lhes cobrisse suas vergonhas. Nas mãos traziam arcos com suas setas. Vinham todos rijos sobre o batel; e Nicolau Coelho lhes fez sinal que pousassem os arcos. E eles os pousaram. […] A feição deles é serem pardos, maneira de avermelhados, de bons rostos e bons narizes, bem-feitos [Carta de Pero Vaz de Caminha, 1500].
O presente artigo visa analisar o processo de construção das estratégias identitárias e de ação política do Movimento Negro no Brasil contemporâneo. A atuação do Movimento provocou, a partir do final dos anos 70, uma rediscussão da identidade nacional e um processo de ressignificação identitária. Nos anos 90 mudanças ocorreram no interior do Movimento Negro, que, através do diálogo com o Estado brasileiro, teve sua agenda política alçada à esfera pública. Contudo, enfatiza-se que é no contexto da participação do Movimento na Conferência Mundial contra o Racismo da ONU, realizada em Durban, na África do Sul, em 2001, que o antirracismo e a "questão racial" sofrem mudanças profundas no Brasil. No contexto pós-Durban, as "ações afirmativas" tornam-se a principal bandeira do Movimento Negro, que, paralelamente a um processo de diferenciação interna, tem seu discurso político-identitário transnacionalizado, através do deslocamento de uma identidade nacional para uma identidade étnica.
Biopolítica e espaço escolar: subjetividade e racismo no Brasil 1 Mozart Linhares da Silva* Resumo O artigo tem por objetivo problematizar a escola enquanto dispositivo biopolítico, implicada nas estratégias de governamento das diferenças étnico/raciais e no processo de produção de subjetividades. Considera-se essa problematização necessária à reflexão sobre as relações entre a educação, no caso, o espaço escolar, e a circulação dos enunciados atinentes às narrativas identitárias no Brasil, doravante àquelas que instituem o não-racismo como "cimento constitutivo" das relações sócio-raciais. Levando-se em consideração a expansão dos movimentos sociais antirracismo nas últimas duas décadas, entende-se que novos regimes de verdade sobre as relações raciais são produzidos, contrastando com as narrativas identitárias "oficiais" no país, sobretudo àquelas relacionadas à chamada ideologia da "democracia racial". O que se problematiza, nessa direção, é como o ambiente escolar atua na circulação desses enunciados contrastivos na constituição dos sujeitos. Palavras-chave: educação; relações raciais; biopolítica; subjetividade; história. Biopolitics and the school space: subjectivity and racism in Brazil AbstractThe article aims to discuss the school as a biopolitical device, implicated in the government strategies of ethnic/racial differences and in the production process of subjectivities. This problematization is considered necessary to the reflection on the relations between education, in this case, the school space, and the circulation of utterances regarding the narratives of identity in Brazil, hereinafter those establishing the non-racism as "constitutive cement" of socio-racial relations. Taking into account the expansion of anti-racism social movements in the last two decades, it is understood that new regimes of truth about racial relations are produced, in contrast to the "official" narratives of identity in the country, especially the ones related to the so called ideology of "racial democracy". What is problematized, in this direction, is how the school environment acts on the circulation of such statements contrasting in the constitution of the subject.
Resumo: O artigo analisa, a partir das considerações sobre biopolítica de Michel Foucault e Giorgio Agamben, a construção da população negra como população-sacer no contexto de emergência da chamada ideologia da democracia racial no Brasil na primeira metade do século XX. Problematiza a democracia racial enquanto dispositivo biopolítico a partir do qual o corpo-espécie da população é constituído considerando os princípios eugenistas que propõem a inclusão-exclusiva da população negra na construção da narrativa identitária nacional, bem como problematiza a miscigenação como estruturante da eugenia nacional no período. Destaca, nos anos 1930, a efetiva emergência da biopolítica no Brasil, chamando a atenção para os saberes estatísticos no processo de formação do corpo-espécie da população, desdobrado da política de branqueamento e da neutralização do racismo, traduzidos na democracia racial como elemento constitutivo da nacionalidade brasileira. A democracia racial se institui como elemento fundamental da narrativa identitária nacional a partir da qual não somente se nega o racismo, mas se mobilizam estratégias de branqueamento da população em que os processos de subjetivação étnico-raciais são contornados pela dinâmica da mestiçagem. Um dos desdobramentos desta dinâmica da mestiçagem foi a "pardificação" da população, como fica evidente nos censos a partir dos anos 1940.Palavras-chave: democracia racial, população-sacer, biopolítica, eugenia, história. IntroduçãoE ste texto propõe discutir, apoiado nas considerações de Michel Foucault e Giorgio Agamben, sobre biopolítica, a racionalidade a partir da qual a população negra foi constituída como sacer no processo de construção da chamada "ideologia da democracia racial" no Brasil, na primeira metade do século XX. A "democracia racial" é entenedida como o arranjo político -ou melhor, biopolítico -desdobrado das estratégias eugenistas que sustentaram o projeto de branqueamento da população brasileira no contexto da pós-abolição, promovendo um processo de inclusão-exclusiva do negro na constituição do corpo-espécie da população. O que problematizo, neste caso, é como foi fundada a racionalidade a partir da qual a população negra foi construída como sacer, abarcada num processo que a institui para fazê-la "desaparecer".Para dar conta da problemática proposta, o artigo está dividido em duas seções. Na primeira, intitulada "Biopolítica e vida nua", teço algumas considerações sobre biopolítica e Homo sacer (zoé, vida nua), articulando o pensamento de Michel Fou-
RESUMOO artigo analisa a disciplina de canto orfeônico no período conhecido como era Vargas, problematizando-a como uma biopolítica de regulação da população, uma vez que assumiu função estratégica na difusão do discurso positivo sobre a miscigenação no Brasil. Os recursos e fontes utilizados na pesquisa são os manuais de canto orfeônico produzidos pelo compositor Heitor Villa-Lobos, que, diga-se de passagem, foi o maior incentivador da prática nas escolas brasileiras e um importante intelectual das artes, comprometido com o problema da identidade nacional. A análise compreende o período 1931, ano em que se institui o decreto lei nº 19.890, que dispõe sobre a organização do ensino secundário e inclui o canto orfeônico na grade curricular, até o final da ditadura do Estado Novo em 1945, quando VillaLobos abandona sua carreira no campo da educação. Os resultados da pesquisa permitem-nos relacionar diretamente a prática do canto orfeônico com a composição e difusão da narrativa identitária nacional de 1930 que consolidou o chamado mito da democracia racial no país.Palavras chave: Canto Orfeônico. Biopolítica. Educação. ABSTRACTThe article analyzes the discipline of orpheonic singing in the period known as the Vargas Years, questioning it as a regulatory biopolitic of the population, since it assumed a strategic role in spreading the positive discourse about miscegenation in Brazil. Resources and sources used in the research are the manuals of orpheonic singing produced by composer Heitor VillaLobos, which, by the way, was the biggest supporter of the practice in Brazilian schools and an important intellectual of the arts, commited with the problem of national identity. The analysis covers the period that starts in 1931, year that was established the Decree Law No. 19.890, which provides for the organization of secondary education and includes orpheonic singing in the curriculum, until the end of the Estado Novo dictatorship in 1945, when VillaLobos abandoned his career in education. The research results allow us to directly relate the practice of choral singing with the composition and dissemination of a national identity narrative of 1930, which consolidated the so-called myth of racial democracy.
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