A carreira moral da vergonha na visão de homens e mulheres "alcoólatras"

Abstract

Resumo: Neste artigo, analisamos a carreira moral de tratamento do alcoolismo em um serviço público de saúde a partir de depoimentos de homens e mulheres "alcoólatras" sobre a moral da vergonha. A carreira moral é a sequência de mudanças que produzem efeitos na identidade e no esquema de imagens da pessoa para julgar os outros e a si própria. Foram entrevistados 20 pacientes do serviço, sendo dez homens e dez mulheres em acompanhamento ambulatorial e/ou internados. Além disso, observações de campo das relações entre pacientes e destes com os profissionais de saúde foram conduzidas. Aspectos da carreira moral foram analisados, entre eles, a "conscientização" do alcoolismo como doença e da condição alcoólatra e a construção da vergonha e da responsabilidade no contexto de tratamento. A vergonha expressa o reconhecimento dos entrevistados da inobservância de normas sociais, entre as quais, a repercussão do gênero na definição da ética do homem provedor e da boa mãe. Comprovando a dimensão médico-moral do dispositivo terapêutico, a vergonha é reconfigurada nos momentos de (re) internação como expressão da desaprovação de um estilo de vida com a bebida, e se alia ao projeto terapêutico no sentido de dificultar a "recaída" e impedir a desmoralização alcoólatra. Concluímos que a medicalização do alcoolismo se inscreve num campo moral englobante, produtor de moralidades e formas particulares de perceber e agenciar o alcoolismo. Palavras chave: carreira moral; vergonha; alccolismo; tratamento.

Representações sociais do alcoolismo construídas por não-alcoolistas

“…É importante notar a ancoragem das representações sociais do alcoolismo em um conjunto de ideias e imagens de valor moral, sobre o "homem correto", a "mulher correta" (ALZUGUIR, 2014;ANCEL;GAUSSOT, 1998). Ressalta-se o conjunto semântico negativo associado à expressão "vício".…”

Significados do alcoolismo em uma reunião feminina de Alcoólicos Anônimos na cidade de São Paulo, SP, Brasil

“…Esse sentimento de vergonha também aponta para as moralidades que envolvem as relações de gênero na sociedade brasileira. Esses achados corroboram os de Alzuguir 11 , para quem o sentimento de vergonha é refletido na estratégia de beber mais intensamente fora do olhar público, no âmbito privado de sua residência.…”

A mulher e a dependência química Que relação é essa?

“…Quanto a resposta ao objetivo 2 temos que as mulheres têm relutância de entender que estão em dependência química e que precisam de tratamento especializado (Alzuguir, 2014;Soccol et al, 2019). Além disso, elas também encontram como barreiras a forma como a família as estigmatiza e não as apoia ou agem com negação em seu tratamento (Limberger & Andretta, 2015;Quirós, 2016;Lima et al, 2011).…”

“…Sendo esses gatilhos agravados caso no ambiente que a pessoa viva seja considerado comum o uso da substância. Isto é, conforme apontado por Alzuguir (2014) a vergonha seria o sentimento que sinaliza ao paciente que ele (a) está desviando do comportamento socialmente aceitável e que o protegeria contra a recaída, ao qual uma vez perdido esse sentimento, a recaída tenderia a ocorrer.…”

“…Isto é, esse decréscimo do uso foi observado após o uso de intervenções breves utilizando-se de psicoeducação sobre drogas, estímulo à motivação para mudança e uso de feedbacks da avaliação. No entanto, em consonância a todas as vantagens e desvantagens dos diferentes tipos de tratamento, algumas pesquisas apontam que os pacientes alvo do estudo combinavam distintas modalidades de atendimento, tal como atendimento em CAPs e frequentar AA e NA (Alzuguir, 2014;Albuquerque & Nóbrega, 2016;Limberger & Andretta, 2015).…”