Este editorial expressa nossas reflexões sobre o suicídio e a morte do narrador na literatura acadêmica contemporânea, a qual, conforme compreendemos, relaciona-se com outra fatalidade ainda mais grave: as ocorrências atuais de suicídio de jovens. Essa trágica "solução" tem ocupado lugar de destaque na mídia desde a estreia da série americana 13 Reasons Why (2017), dirigida por Brian Yorkey, inspirada no livro homônimo de Jay Asher, e da ampla e controversa divulgação do suposto jogo online Baleia azul, seguidas pelo crescente interesse por ambos. Nosso objetivo é discutir sobre uma possível relação entre o suicídio que se consuma como resultado da morte em vida, desvelando a continuidade funesta entre a fatal autoimposição de um término à vida e a fatídica vida imposta àqueles que estão impedidos de experimentá-la como sujeitos, e o suicídio do narrador na literatura acadêmica que paradoxalmente expressa a submissão do autor às exigências irracionais da maquinaria produtiva que o anula e, com isso, retira o encanto da narrativa.Se a declarada frustração de Nietzsche (1887/1998), que tão bem conheceu a decadência, em relação à expectativa de que suas obras pudessem ser objetos da leitura como arte já fora há muito uma crítica tenaz ao "homem moderno", incapaz de ruminar o conteúdo de sua leitura, a empobrecida experiência intelectual propiciada pela forma padrão adotada pelo modo atual de divulgação científica, o relato de pesquisa sem reflexão teórica, parece supor uma regressão ainda maior do leitor, de modo que à morte do narrador equivale a anulação do trabalho interpretativo do leitor. Se o suicídio de jovens provoca angústia imediata e sugere rápido entendimento de que a vida foi tragada por suas contradições objetivas, o fenômeno paralelo que ora enfatizamos, o suicídio do narrador, parece não promover igual compreensão.A asseveração de Nietzsche pode ser pensada à luz da crítica que Walter Benjamin (1936/1994) fez à cultura já explicitamente em decadência algumas décadas depois: "Por mais familiar que seja seu nome, o narrador não está de fato presente entre nós, em sua atualidade viva" (p. 197). Esse arguto crítico da cultura, que diante do fatídico cerceamento de sua vida pelas forças nazistas, que implicava também a aniquilação da vida de milhões de seus iguais, pôs fim à própria vida, pôde revelar que a vida ceifada pelo suicídio é a mesma vida já mortificada pelo predomínio das instâncias opressivas que anulam a possibilidade de compartilhar experiências, tal como foi possível por meio da narração. Em uma de suas mais célebres formulações, Benjamin pôde registrar para uma posteridade que ainda não conhece o além do homem "moderno", rejeitado por Nietzsche, a relação entre o declínio do narrador e a experiência da catástrofe objetiva representada pela guerra, cujo terror se generalizou para as estáveis instituições do mundo administrado:Com a guerra mundial tornou-se manifesto um processo que continua até hoje. No final da guerra, observou-se que os combatentes voltavam mudos do campo de batalha não ...