Deslocando O Gene: O Dna Entre Outras Tecnologias De Identificação Familiar

Abstract

Nos últimos anos do século XX, os "testes de DNA" para a investigação paterna criaram um terreno fecundo para pensar as variadas ramificações de novas tecnologias científicas na vida das pessoas. No início dos anos 2000, quando comecei este estudo, diversos fatores -apelo midiático, assistên-cia judiciária gratuita e a multiplicação de laboratórios clínicos -tinham colaborado para tornar o "teste de DNA" um fenômeno relevante na vida de muitos brasileiros apesar de seu alto custo. Em dezembro de 2001, o Congresso Brasileiro aprovou uma emenda à Lei 10.317, incluindo o teste entre os serviços gratuitos fornecidos pelos laboratórios públicos. Para quem quisesse evitar a longa espera nos serviços públicos, havia um número cada vez maior de clínicas particulares aceitando pagamento parcelado. Na época, despontava nos estudos sociais da ciência a hipótese de uma "genetização" de fenômenos que até recentemente tinham sido considerados da alçada exclusiva do "social". Germinada à sombra do Projeto Genoma Humano e do desenvolvimento das indústrias biotecnológicas, a hipótese da genetização lembrava formas mais antigas de reducionismo biológico em que a identidade individual seria mais profunda e as relações familiares mais verdadeiras quando arraigadas na herança genética.1 A recepção popular para a nova genética médica (em particular, a possibilidade do diagnóstico pré-sintomático de doenças hereditárias) estaria causando uma espécie de "revolução copernicana", com profundas implicações nas relações de parentesco. Os novos rumos seriam marcados pelo afastamento das formas familiares "pós-modernas" -fluidas, diversificadas e calcadas na interação social -que proliferavam no fim do século XX em favor de uma renovada ênfase nos laços consanguíneos (K. Finkler 2001(K. Finkler , 2005. Eu mesma havia aventado a possibilidade de que o teste de DNA estaria desfazendo noções antigas de família que amarravam a filiação impreterivelmente ao casamento. O interesse cada vez menor em legalizar o laço conjugal teria como complemento a ansiedade de institucionalizar, através da ciência, a relação de filiação (Fonseca 2014:111).

DNA and the displacement of certainties in brazilian family law

“…Elsewhere, we have cited material from our research with litigants in legal paternity disputes to suggest that the DNA tests did not cause any large-scale change in the way fathers behave toward their children (Fonseca, 2016). Hence, not surprisingly, after peaking in 2002, the demand for paternity tests in Brazil went into slight decline 6 .…”

“…Although cases of "paternity fraud" are not unknown in other countries (Machado and Silva, 2012), Brazil's particular history of government administration has made this phenomenon all the more likely. Until at least the 1970s, the most elementary documents-birth certificates, identity cards, and so on-were still not a routine part of most Brazilians' lives (Cunha, 2005;Fonseca, 2016;Caulfield & Stern, 2017). The majority of the population was to be found in rural areas, where couples lived in consensual unions and children were born at home.…”

“…The banality of such cases reveals not only how working-class people "bend" state bureaucracy to their own ends, it also bespeaks something of the eminently social bias that has traditionally influenced informal definitions of kin. In other words, up until recent times, people have not infrequently made unorthodox use of a child's official birth registration more as a way of fixing social relations in perdurable form than of portraying fixed biological facts (Fonseca, 2016).…”

Para além da ciência e do anthropos: deslocamentos da antropologia da ciência e da tecnologia no Brasil

“…A conexão entre conhecimento científico, família e parentesco e direitos vai ser uma marca forte no trabalho de Fonseca também em outras publicações. No artigo "Deslocando o gene: o DNA entre outras tecnologias de identificação familiar", publicado na revista Mana (Fonseca, 2016), o foco volta a ser o uso do teste de DNA em investigações judiciais de paternidade, estudado pela autora desde o início dos anos 2000. Agora, no enquadramento de uma antropologia da ciência e na incorporação da perspectiva latouriana da TAR, propõe-se a problematizar a hipótese de uma "genetização" da vida social mostrando as complexidades envolvidas nas experiências cotidianas de uso das tecnologias.…”

Political mediations of kinship: time, documents and DNA

“…Al evocar la temporalidad del ADN, los autores barren a un lado las presunciones de datos científcos "duros". Ponen el énfasis en diversas formas de "brujería científca" -esto es, la red necesaria para garantizar la utilidad científca de una muestra de sangre-y defenestran al ADN, colocándolo al lado de otros procedimientos tecnológicos (véase Fonseca, 2016). Al hacerlo, nos obligan a examinar las "mutaciones" que intervienen en esas otras tecnologías, por ejemplo, los documentos jurídicos escritos.…”