Neste artigo, é discutida a estratégia adotada pelo governo do Rio de Janeiro para ocupação pelo Estado das favelas que estavam sob o controle do tráfico de drogas. A estratégia de pacificação envolve um primeiro momento de ocupação militar, um segundo de instalação de uma unidade de polícia permanente no território e um terceiro que trataria de estabelecer um diálogo entre os atores sociais e canalizar as demandas para a rede de políticas. O objetivo inicial de estabelecimento de uma nova ordem policial coercitiva confronta-se, em muitos aspectos, com a construção de uma esfera pública ampliada por meio da expansão da cidadania aos moradores destes territórios e sua integração à cidade. Em estudo de caso realizado na primeira favela ocupada, o Santa Marta, evidenciam-se as enormes tensões e contradições desta estratégia de ampliação dos direitos de cidadania por meio da militarização do campo social¹.
RESUMO O objetivo deste ensaio foi discorrer sobre as relações entre capitalismo, democracia e cidadania, tendo como foco as transformações recentes em todos os componentes da tríade Estadonacional, mercado capitalista e cidadania, que caracterizaram a construção da modernidade ocidental e geraram a democracia de massas, o Welfare State - ou Estado de Bem-Estar Social - e o mercado regulado. A globalização da economia levou à desterritorialização da produção e circulação de mercadorias e de capitais, em uma fase de predomínio da lógica de acumulação financeira, dissociando o mercado da dimensão nacional, sob a qual se exerce o poder político estatal. É preciso entender, no entanto, que as tensões entre capitalismo e democracia, e mesmo entre democracia e cidadania, são constitutivas dessa relação, nem sempre sendo contradições antagônicas, pois, em conjunturas específicas, diante das lutas socias e do acúmulo de forças em certas fases do processo de acumulação, pôde-se construir uma nova correlação de forças e viabilizar propostas contra-hegemônicas. A etapa atual deve ser compreendida como parte do acirramento dessas contradições, não como uma situação implacavelmente estagnada. A proposta é pensar, nesta conjuntura, o lugar da democracia e da cidadania.
A o longo da história, o Rio de Janeiro assistiu à expansão descontrolada das favelas como consequência da alteração entre a invisibilidade desta questão na agenda e políticas públicas de negação, repressão e remoção. A partir do século XIX (Valladares, 2000), quando a favela deixa de ser invisível para o poder público, ela passa a ser vista como um problema social, alimentada pela precariedade destas aglomerações urbanas consideradas subnormais e pelos mitos da marginalidade de suas populações (Perlman, 1981). A favela vista como problema retorna repetidamente à agenda política ao longo da história mais pelo incômodo que gera para a cidade do que pela perspectiva da assistência social (Zaluar e Alvito, 2006).A fragilidade dos direitos nas favelas, bem como em outros loteamentos irregulares, é apontada como facilitadora da entrada do comércio de drogas e posterior domínio armado do território por facções de ban-
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