Resumo Esse artigo se propõe a analisar a tentativa de implementação do Museu da Escravidão e da Liberdade (MEL), marcada por sucessivas dificuldades e cujo intuito é trazer a “verdade” sobre a escravidão. Acreditamos que o MEL se encontre no cerne de intensas disputas políticas mais amplas, daí as adversidades que encontra. Por um lado, ele expressa as dificuldades do movimento negro em trazer a público as memórias da escravidão. Por outro, ele revela os embates entre projetos voltados para ações afirmativas, reparação e reconhecimento no novo contexto político conservador que ocorre tanto na administração pública federal quanto na municipal. Para tanto, nos inspiramos na noção de “rituais abortivos”, de Trouillot, para quem as evocações memorialísticas e os pedidos públicos contemporâneos de desculpas por crimes cometidos no passado esvaziam-se do seu potencial político e não possuem um caráter verdadeiramente transformador.
Este artigo procura problematizar alguns agenciamentos de vestígios humanos a partir da análise do tratamento dado a ossadas encontradas em 1996, no subsolo de uma residência familiar, na região portuária do Rio de Janeiro. Inspirando-me nas obras de Bruno Latour e Michel Callon, procuro observar como se constrói progressivamente o fato científico de que esses ossos pertencem ao sítio arqueológico Cemitério dos Pretos Novos, destinado ao enterramento de africanos que morreram logo após o desembarque dos navios negreiros, entre fins do século XVIII e início do XIX. O objetivo do presente artigo consiste em analisar a produção do sítio arqueológico Cemitério dos Pretos Novos e os diversos procedimentos através dos quais as ossadas são convertidas ora em objetos de pesquisa a serem armazenados em laboratórios científicos, ora em testemunhas de um holocausto negro que devem ser expostas ao público no Memorial Pretos Novos. Busco analisar as tensões e ambiguidades classificatórias que surgem ao longo do processo que, simultaneamente, objetifica e humaniza as ossadas, tratando-as ao mesmo tempo como objetos de estudos científicos e laboratoriais e como testemunhas de um crime contra a humanidade. Palavras-chave: Representações da escravidão. Vestígios humanos. Diáspora africana. Patrimônio arqueológico.
Este artigo procura compreender alguns dos motivos que levam a uma enorme disparidade entre uma imagem idealizada do jogo da capoeira, visto principalmente como um espaço da harmonia e da coesão social, e certas práticas cotidianas extremamente hierarquizadas e competitivas, veiculadas pelos próprios capoeiristas. Sugiro que este hiato entre representação e ação resulte de uma atualização da perspectiva de folcloristas brasileiros de meados do século XX, e que deve, portanto, ser alvo de reflexão. A análise se dá a partir da leitura de algumas obras publicadas por pesquisadores e por capoeiristas, desde a década de 1930, bem como de uma etnografia realizada em algumas escolas de capoeira do Rio de Janeiro, nos dias de hoje.
Neste artigo, pretendemos pensar as dinâmicas de produção de narrativas e experiências contemporâneas acerca do território imaginário que veio a ser conhecido como a Pequena África, no Rio de Janeiro, tentando compreender como elas entrelaçam pessoas e lugares, muitas vezes de forma tensa e disputada. Partimos da perspectiva de Michel Agier, para quem a cidade é um significante vazio cujos múltiplos e possíveis sentidos são elaborados situacionalmente pelos atores sociais. Nesse sentido, entendemos que a Pequena África não possui uma definição rígida e pré-definida mas, ao contrário, é sempre aberta à pluralidade de significados e entendimentos atribuídos pelos diferentes indivíduos e grupos que dela se apropriam. Para tanto, iremos analisar algumas narrativas e práticas e seus principais protagonistas, a saber: as ações de Gracy Mary Moreira em torno das memórias de sua bisavó, Tia Ciata; a luta de lideranças negras da Comissão da Pequena África pela história de um cemitério de africanos escravizados; e as práticas de um grupo de músicos judeus denominado Rancho Praça Onze Klezmer Carioca, que procura recriar a memória da vida judaica na região.
O presente dossiê é fruto de um Grupo de Trabalho (GT) realizado durante a 31a Reunião Brasileira de Antropologia (ABA), em 2018, em Brasília. Ele integra as atividades do Comitê de Patrimônios e Museus da ABA, que procura suscitar reflexões e análises sobre o campo dos patrimônios e dos museus a partir de uma perspectiva antropológica.
Resumo Nos últimos anos, diversas iniciativas no Brasil e no mundo apontam para um novo enquadramento da escravidão que procura trazer à tona o ponto de vista dos escravizados. Elas são elaboradas em torno de uma nova moralidade que denuncia o processo de vitimização a que foram submetidos. No entanto, a construção dessas novas narrativas é permeada por conflitos e ambiguidades. Partindo de uma etnografia sobre as ossadas do sítio arqueológico Cemitério dos Pretos Novos, tento trazer à tona a multiplicidade de atores e representações que transcendem e ressignificam o processo de vitimização. Com isso, procuro iluminar a complexidade da construção contemporânea da categoria da vítima, em particular as vítimas da escravização no Brasil.
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