O Algarve tem um estatuto ambíguo no que respeita ao seu fundo bibliográfico. Historicamente destacado do resto do país e do próprio Sul, no qual contrasta com o Alentejo, essa sua fisionomia regional, longamente acertada na sobreposição de discursos que lhe foram talhando os traços, é objecto de um significativo conjunto de textos, que tornam a bibliografia algarvia a um tempo extensa, diversa e rica. Contudo, nela é também possível detectar grandes conjuntos temáticos, estilísticos e cíclicos, onde a ressonância das obras maiores e a multiplicação das suas réplicas produziu um efeito de enchimento, do qual raramente se destacou uma obra problematizadora da região e que dê conta de uma realidade social localizada e alcançável pela experiência etnográfica. Talvez só Frei João de São José, em 1577, e Estanco Louro, em 1929, o tenham conseguido. Por isso, os seus textos, para além do valor intrínseco que possuem, são preciosos lugares de leitura da restante bibliografia regional e local, e tornam possível perseguir os esteios problemáticos, as fracturas dessa realidade social e histórica que a acumulação de textos tanto induz a pensar na sua supostamente óbvia unidade. É, pois, neste sentido, que irei falar do Livro de Alportel -como texto excepcional no conjunto da bibliografia sobre o Algarve, mas também como "lugar escrito" que problematiza os outros "lugares sobre que se escreve", e o próprio valor da "localidade" e da implicação pessoal na produção desses textos peculiares que são as monografias locais.
2O período que decorre entre a viragem do século XIX e o meio do século XX foi no Algarve muito contrastado. Ele integra uma fase de expansão que o sossego político posterior às "Guerrilhas", as leis cerealíferas e o fomento de algumas produções comerciais, como a cortiça, os frutos secos e as conservas de peixe, proporcionaram. Contudo, integra também um longo declínio a partir dos anos 20, para o qual se esperou em vão o efeito tónico da Exposição de Sevilha, de 1930, e que a Guerra Civil de Espanha e a II Guerra Mundial viriam confirmar. O Algarve agro-comercial e conserveiro