Acontecimentos sociais e políticos, nacionais e internacionais, têm abalado nosso cotidiano. Conquistas que pareciam sedimentadas na direção da democracia e nos temas relativos aos direitos humanos, conquistas sociais e considerações éticas na vida política, têm sido substituídas por chavões e discursos de ódio, racismo e xenofobia sob a lógica da guerra. Desse modo, têm sido enfrentados fluxos massivos de imigrantes, frutos de guerras e violências, atentados terroristas e uma tensão cotidiana em que o debate localiza no outro o perigo: generaliza-se a figura do terrorista. Vamos propor um deslocamento da lógica da guerra a fim de dialogar sobre a queda dos ideais e das ilusões e as dificuldades de traçar direções para o futuro. Vamos apontar o imbricado enlace entre ética do desejo, política e resistência à instrumentação social do gozo. Entendemos que perder um ideal é diferente de perder uma ilusão, crença ou delírio. A descrença, a desilusão, tem seus efeitos – um deles é agarrar-se à fantasia delirante. A idealização é um processo que envolve o engrandecimento e superestimação do objeto, não dizendo respeito ao ideal. A aflição psíquica nomeada “desilusão” estende-se dos ideais culturais (no plano do ideal-do-Eu) às expectativas do Eu (plano do Eu-ideal). Essa questão nos alerta para o encobrimento de outra ilusão, de autoengendramento, de poder superar a dependência simbólica ao Outro. Diferenciar esses termos nos permite apontar o imbricado enlace entre ética do desejo, política e a resistência à instrumentação social do gozo. Quanto à posição da psicanálise, retomaremos a frase de Lacan em Ciência e verdade (1966/1998): “Por nossa posição de sujeito somos sempre responsáveis. Que chamem a isto como quiserem, terrorismo”.
A proposta deste trabalho é abordar o limite de escala lógica do cartel. Esse dispositivo de transmissão é proposto por Jacques Lacan e chamado de “órgão de base” do funcionamento de sua Escola. O cartel pode ser entendido como uma forma coletiva que emerge de diversas tentativas – inclusive fracassadas – de constituição que se estrutura para-além dos efeitos de ‘grupo’ descritos por Freud em Psicologia das massas e análise do eu. Portanto, objetiva-se que o cartel escape às tradicionais estruturas hierárquicas e verticalizadas, além de tentar esvaziar o sentido das identificações entre os pares e do ‘Um ideal’. Para tanto, a proposta é de um arranjo lógico limitado a 4+1, em que os membros do cartel se reúnam em torno de um tema (que funcionaria como elo entre o pequeno grupo), apresentando um argumento de trabalho que simultaneamente faz o grupo – uma vez que os membros estão articulados por uma produção de saber, uma tarefa – e particulariza a questão. Pensando com base na teoria dos discursos (que se utiliza de matemas para demonstrar os engendramentos dos laços sociais) proposta por Lacan em 1969-70, a estrutura de um cartel pode ser associada a uma inscrição no discurso do analista. Os outros discursos – do mestre, do universitário e da histérica – de certo modo mapeiam o aparelhamento de gozo de maneira indiferente às escalas sociais. A qualificação ‘numérica’ do cartel é pouco estudada na psicanálise e, em nosso entender, diz de um compromisso implícito da teoria lacaniana com certas teses da filosofia política e da sociologia a respeito da origem dos fenômenos de massa. Partindo-se dessas idéias é que nos perguntamos o que seria um ‘laço pelo discurso analítico’ que não corroborasse com esse corolário restritivo, que, ao contrário dos outros discursos, incide sobre a escala do laço social. Tentamos nos servir da psicanálise – sobretudo da proposta lacaniana do cartel – para pensarmos na estrutura grupal como também potencialmente emancipatória. Acreditamos que isso está posto no fundamento do ‘órgão basal’ da Escola, ao sugerir pensar para-além da alienação grupal.
Resumo Em 2018, os “acontecimentos de Maio de 1968” co-memoraram cinquenta anos. No Brasil, co-memorávamos os cinco anos de junho de 2013, uma parte do composto do “ciclo de lutas”. Esses dois momentos têm em comum, entre outras coisas, o fato de nos fazer pensá-los ainda hoje, pois, apesar de terem findado enquanto ato, eles continuam a existir em termos de afeto e efeito. Eles fazem parte de uma memória coletiva, de uma co-memória, que permite que se participe junto em razão daquilo que deixaram no tempo depois. São significados, sentidos e restos que se manifestam no campo sócio-político e no campo de uma subjetividade coletiva. Neste trabalho, destaco dois elementos similares de tais eventos: o imaginário anarquista que os caracterizou e também a consolidação do que denomino de “liderança negativada”. A psicanálise serve como suporte teórico para as considerações, especialmente no que tange à questão do que se repete.
A proposta deste trabalho é trazer uma contribuição partindo da ideia psicanalítica de histeria que percorre o avanço teórico em Freud e em Lacan, para dizer de organizações coletivas. Para isso, pretendemos dedicar-nos às elaborações de Freud (1921) sobre ‘identificação por meio do sintoma’ -- que dão margem a uma suposta ‘histeria coletiva’ -- e a posterior teoria dos discursos de Jacques Lacan (1969-1970), sobre o enquadramento dos laços sociais, nos atentando em sua provocação aos ‘revolucionários’ de maio de 1968, indicando-os como alocados ao que denominou de ‘Discurso da histérica’. Com isso, pretendemos defender, a partir da noção de histeria em psicanálise, a existência de ao menos dois desdobramentos diferentes que se originam do mesmo tipo clínico. Assim, tentamos contribuir para uma melhor compreensão das possibilidades e limitações dos movimentos coletivos e grupamentos sociais, especialmente alguns que permearam a cena política brasileira nos últimos tempos.
Vivemos em um tempo em que o mal-estar se radicaliza e se expressa em manifestações de intolerância. Buscamos sustentar a intolerância como fruto do mal-estar presente na constituição das fronteiras nos campos social e subjetivo e nos modos de circulação entre territórios. Há na intolerância uma posição do sujeito pautada pela ignorância consentida das complexidades em jogo - sociais, políticas, históricas, culturais, linguísticas ou psíquicas. Nessa operação, há um tripé: a paranoia como matriz do conhecimento da lógica liberal, que mantem o imaginário de uma sociedade sob ameaça e incita o medo da alteridade como afeto político central e o ódio como coadjuvante. Em uma lógica identitária, que se presta a certa ‘obturação’ da aventura do desejo, o outro se torna sinônimo de inimigo ou objeto de uma indiferença radical que preconiza o seu desaparecimento. A ignorância obscurece a ambivalência que está no cerne do sujeito e da agressividade que habita cada um. Mas, se de um lado, o ódio ou o desejo de destruição são constitutivos; de outro, é de escolha e responsabilidade do sujeito colocá-lo em ato.
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