Orientar-se, como essa música de Gilberto Gil indica, significa tomar rumo, avaliar as opções e decidir por onde ir. Mas esse caminho desde há bastante tempo é decidida de poucos lugares no mundo, normalmente a partir de uma constelação que não é a do Cruzeiro do Sul.Nesse sentido, esse dossiê propõe que tomemos essa possibilidade de orientar o nosso olhar acadêmico não somente em sentido ao Japão, escondidos na posição subalterna do porão de um navio, mas compreendendo e determinando o nosso curso pelas inúmeras possibilidades disponíveis de conhecer realidades de países cujas línguas os brasileiros estudam e ensinam. Aqui se trata de ampliar as direções da nossa orientação, porque vivemos em um mundo em que é necessário saber a multiplicidade de destinos internos e externos, uma nação tão intensamente plurilíngue. Infelizmente, o Oriente, enquanto espaço real e imaginário, ainda não foi intensamente estudado e analisado no território brasileiro, permanecendo como um ambiente do inconsciente epistemológico, pois se uma determinada língua e suas culturas não são encaradas como pertencentes ao Ocidente, próximas do português ou da cultura brasileira, automaticamente ficam nesse “outro lugar”. Isso se evidencia no espaço que as instituições de ensino abrem para estas línguas tidas distantes, exóticas, algo que afeta diretamente a capacidade do maior país da América Latina se entender e entender o mundo em que habita.Com essa distância de muitas línguas do contexto educacional brasileiro, lembramos da linha do trem “Expresso do Oriente” que, no auge da expansão colonial na virada do século XIX para XX, conectava diversas partes da Europa Oriental e Oriente Próximo à Europa Central e Ocidental, sendo a sua concretização uma proposta ideológica que orientalizava povos e línguas, transformando-os em sujeitos exóticos. Estes precisavam ser estudados, seguindo procedimentos chamados científicos e objetivos, distanciados de uma visão hegemônica do que seria Ocidente, visto como um totem direcional para as demais partes do globo terrestre. Os seus efeitos não são sentidos somente no Oriente (Próximo, Médio e Extremo em relação à Europa), mas também até na própria Europa, cuja parte mais a leste foi orientalizada, recebendo também no Brasil este tratamento marginalizado. Assim, criam-se línguas hegemônicas e não-hegemônicas, sendo as primeiras um grupo seleto de línguas que são contempladas pela legislação atual brasileira, tendo o inglês como única língua aceita enquanto língua de ensino, ou pela aceitação maior pela proximidade linguística e cultural de algumas línguas românicas como espanhol, francês e italiano. Mesmo estas últimas vêm perdendo paulatinamente seu lugar mais na escala de prestígio e presença no território nacional, tomando como o exemplo do espanhol ao qual foi concedido um lugar diferenciado em 2005, mas revogado em 2017.As demais línguas gozam de uma posição bastante desfavorável, pois não são presentes nas leis em nível federal, contam com poucos cursos de formação de professores, possibilidades de pesquisa e produção de materiais didáticos, dependendo da articulação em nível municipal ou estadual e do apoio de institutos estrangeiros responsáveis pela sua divulgação. Quanto mais o nosso trem se distância do chamado Ocidente, menos possibilidade um ou uma futura aprendiz tem para aprender línguas que já estão há algumas décadas ou séculos no Brasil e/ou são ensinadas por indivíduos engajados. Ou seja, embora uma grande parte de línguas como o russo, japonês, árabe, chinês, alemão não sejam marginais ou marginalizados mundialmente, no continente latino-americano estas línguas acabam recebendo um status desproporcional a sua posição econômica e política, com circulação reduzida em muitas instâncias que as constitui como não-hegemônicas, muito mais próximas de línguas como o catalão, armênio, hebraico, croata, ucraniano, basco, irlandês, suaíli, crioulo haitiano que se situam mais abaixo na escala de prestígio e presença linguística. Estas últimas ficam restritas a uma planificação linguística à margem de políticas públicas brasileiras, compondo um mosaico de políticas linguísticas que precisaria ser mais estudado para que se entenda melhor o que significa ser não-hegemônico no maior país da América do Sul. Certamente seria o início de um campo de estudos que garantiria uma maior atenção aos processos, redes e fenômenos de diversos tipos e naturezas que ultrapassam as fronteiras da nação (não mais vista como homogênea) e focalizam as particularidades e as especificidades dentro de um contexto nacional brasileiro que seja possível de se identificar.Ou seja, é preciso lembrar que é possível, e necessário, construir outras linhas de trem, isto é, outros meios de comunicação e troca entre locais geograficamente distantes, tal como fez Dmítri Lvóvitch Býkov com o seu conto “Assassinato no expresso do Oriente” – uma reelaboração contemporânea do conhecido livro de Agatha Christie no qual se discute a ferrovia Transiberiana a partir de uma ótica crítica e questionadora de narrativas hegemônicas como já foi aquela que embasou o projeto ideológico da maior rota de trem do mundo. Almejamos neste dossiê propor um outro caminho, uma vez que as análises e relatos presentes nos trabalhos selecionados se pautam por três perspectivas que Leffa (2006) elenca como: a) metodológica enquanto ideias sobre como implementar estratégias de ensino e aprendizagem de línguas; b) política preocupada com questões de relações de poder entre países e suas línguas e c) intercultural que procura oferecer meios para que se conviva com a diversidade linguístico-cultural. E mais que isso, fundamentam-se na consciência crítica para a qual chama atenção Paulo Freire quando discorre sobre o professor-pesquisador engajado, que no caso destas línguas é praticamente um pressuposto primordial pelo fato de a consciência sobre as dificuldades, alcances e propostas de superação da situação precária de ensino de línguas é condição sine qua non. Portanto, é essencial ainda dizer que os trabalhos não se contentam somente com a criticidade contida nestas perspectivas, procurando também transbordar e transformar os limites da “orientalização linguística” em vigor no Brasil, pois entendem que o lugar, em alguns casos mais, em outros menos, não-hegemônico lhes concede a necessidade de pensar na unificação entre teoria e prática que, juntas, possibilitarão a formulação de novas concepções do mundo, como ainda nos ensina Gramsci, quando fala que a questão da hegemonia não deve ser entendida como uma questão de subordinação ao grupo hegemônico. Até porque a hegemonia, nesse sentido, é um conceito bastante complexo e que já está sendo estudado por estudiosos da linguagem, lembrando-nos de levar em consideração os interesses dos grupos sobre os quais ela se exerce, indicando contradições e caminhos para a sua superação.Ao nosso ver, quando estamos falando de um país ou uma região, de fato estamos falando de uma comunidade em seu sentido linguístico. Assim, não podemos defini-la somente como uma comunidade que fala uma língua, pois as relações entre seus membros não se restringem à esfera linguística. Eles também se identificam uns aos outros em um contexto cultural maior e específico - um nome nativo pelo qual se identificam, automanutenção em uma rede social de contatos – sustentados por uma série de atividades e eventos, dentre as quais está o ensino da língua. Por meio de uma determinada visão de ensino, (re)criam laços sociais e uma história comum, além de processarem e serem processados pela língua determinada. Nela encontramos procedimentos da já comentada orientalização para a qual acreditamos ser uma das chaves para o entendimento da formação de relações acadêmico-teóricas internacionais que a Universidade brasileira estabelece com os países que estão fora da esfera ocidental-hegemônica.No entanto, na elaboração da proposta para este dossiê partimos de algumas experiências prévias que pretendemos superar através, inclusive, dos sete artigos aqui presentes. Primeiramente, há uma falta de clareza do que significa “oriental” e sua aplicação na definição de línguas e os modos de ensiná-las, algo que já começou a ser abordado no capítulo “Concepções de leitura entre o Oriente e Ocidente: Ensino de língua russa na Ásia Central” (Puh, 2019). Em segundo lugar, entendemos que as instituições públicas brasileiras no tratamento de determinadas línguas as orientalizam como um modo especifico de relacionar-se com o não europeu-ocidental no contexto internacional, políticas linguísticas acadêmicas estas que foram traçadas parcialmente no artigo “’Tudo junto e misturado?’: as contribuições e os limites do multiculturalismo no ensino de línguas” (Puh, 2020). Alguns dos textos publicados neste dossiê surgem justamente da disciplina de Metodologia do Ensino de Alemão, Letras Orientais e Clássicas que é ministrada na Universidade de São Paulo e descrita no artigo supracitado, sendo uma das nossas preocupações oferecer condições para que acadêmicos e acadêmicas no final da formação inicial universitária possam publicar suas reflexões e experiências. Outras produções partem de diálogos com outras instituições de ensino superior que contam com o ensino de línguas como o árabe, ucraniano, russo cuja finalidade é possibilitar uma maior disciplinarização dos estudos destas e outras línguas, um tipo de produção ainda incipiente no Brasil, sendo um exemplo desse tipo de produção o artigo “Estudos eslavos no Brasil: constituição de uma área” (Puh, 2020).Destacamos que, antes de nós, essa preocupação disciplinar já tiveram autores como Diniz (1994) que define as linhas de pesquisa do Departamento de Letras Orientais da USP e Hanania e Sproviero (1998) que traçam um histórico a formação de estudos orientais nas universidades da Europa Ocidental e Central. Aproveitando ainda os pensamentos de Diniz (1994), reforçamos que a compreensão do estado de conhecimento sobre um tema, em determinado momento, é necessária no processo de evolução da ciência, a fim de que se ordene periodicamente o conjunto de informações e resultados já obtidos, ordenação que permita indicação das possibilidades de integração de diferentes perspectivas, aparentemente autônomas, a identificação de duplicações ou contradições, e a determinação de lacuna e vieses.Concluindo esta apresentação, o orientação principal deste dossiê é proporcionar um espaço que explicite os conhecimentos construídos pelos estudiosos de línguas que foram, e são até hoje, alvo de inviabilização institucional em termos de falta de locais e materiais para seu ensino, legislação nacional específica e instituições públicas para o seu estabelecimento e crescimento. E que isso sirva como um possível inicio do desenvolvimento de propostas mais perenes de memorialização de experiências docentes de todas as línguas que se ensinam no Brasil.
Os estudos eslavos são uma área de conhecimento ainda pouco desenvolvida no Brasil, com produções pontuais que oferecem um estado da arte sobre a área, sua história e suas principais características. Ao mesmo tempo, vemos que existe um interesse crescente em se estudar assuntos ligados ao que se considera mundo eslavo, com o aumento de convênios acadêmicos, eventos, instituições e cursos, bem como pesquisas em diferentes disciplinas científicas. Neste artigo, apresentaremos um panorama acerca dos ambientes onde se constrói conhecimento sobre o mundo eslavo no Brasil, aventando uma proposta de disciplinarização, o que significa delimitar e definir as características que possibilitariam a constituição do campo científico – estudos eslavos. O objetivo é mostrar as perspectivas históricas e institucionais de articulação de diferentes entidades e organizações que se dedicam ao mundo eslavo para que se possa pensar em diálogos que poderão constituir esta área de estudos. Igualmente, procuraremos definir as diversas perspectivas teóricas e metodológicas que as instituições apresentam, visando “desocultar” e “desorientalizar” a produção de conhecimento dessa área. Desses dois modos, almejamos oferecer um balanço que poderá servir como um norte para criação de novas propostas (inter)nacionais e locais de integração e colaboração de pesquisadores dos estudos eslavos.
Este artigo tem como objetivo apresentar e discutir o campo de estudos eslavos na universidade brasileira, enfocando a produção docente de um programa de pós-graduação (mestrado) e um núcleo de estudos em uma região com população eslava significativa. A produção foi inicialmente catalogada e categorizada na forma de um mapeamento temático, seguido da análise discursiva e conceitual inédita, definida como dezescrita (BARZOTTO; RIOLFI, 2014). A pesquisa resultou em um inventário bibliométrico e cienciométrico em que se mapeou a produção docente do programa e do núcleo; identificou áreas correlatas da produção acadêmica local, nacional e internacional com as quais as linhas de pesquisa do programa e do núcleo mais se articulam. A partir dessa trajetória reforçamos a hipótese da necessidade de criação de balanços acadêmicos internos que possibilitariam uma melhor formação discente, maior valorização e divulgação do conhecimento produzido e, a partir daí, a criação de novas propostas de internacionalização de universidades brasileiras.
Resumo: Neste trabalho será realizada uma abordagem das relações entre o relato de viagem e as diversas experiências de imigrantes croatas no Brasil. Especifcamente, trataremos das experiências migratórias ocorridas entre 1850 e o fm da Primeira Guerra mundial (até 1918), arco temporal tido como o primeiro período de imigração croata para o país. Nesse sentido, foram abordados os relatos, as histórias e dados referentes aos imigrantes croatas que chegaram com passaportes do Império Austro-Húngaro, sendo registrados, desta forma, como "austríacos". Trata-se de três relatos: de imigrantes croatas produzido e publicado por uma agência propagandista de navegação, de um imigranteregressado que volta alguns meses após a sua chegada na nova terra e de viajantesexploradores contratados pelo Governo brasileiro para mapearem o Estado do Mato Grosso.O nosso quadro teórico-metodológico se baseia na historiografa croata sobre o século XIX e sobre as causas de emigração; e na historiografa brasileira, que trata do mesmo período em que procuramos entender as razões que caracterizam a sua imigração e o contato com a população já presente. Além disso, utilizamo-nos de autores que abordam os relatos de viagem e as imagens, entraves e questionamentos que eles nos trazem em nossa tentativa de analisar os relatos vinculados à imigração em sua multiplicidade.Palavras-Chave: Relatos de viagem; Viajantes; Imigração croata; Império Austro-Húngaro; Propaganda imigratóriaI A proposta deste trabalho é analisar a complexidade do processo imigratório croata, relacionando-o ao tema das experiências de viagem. Este processo envolveu deslocamentos *Mestre em Filologia e Língua Portuguesa pela USP e graduando em História pela mesma universidade. Diretor cultural-educativo do clube croata Croatia Sacra Paulistana e coordenador do projeto de pesquisa "História da Croácia e da imigração croata no Brasil" na mesma
RESUMO: Neste artigo discutiremos as articulações que alguns grupos étnicos imigrantes paranaenses realizam na efetivação de um turismo étnico, e como as suas experiências, inclusive, podem ser pensadas enquanto ações educativas. Trata-se de um tema ainda pouco explorado na interface entre o Turismo e a Educação, especialmente no que se refere aos aspectos étnicos imigrantes. Especificamente, o objetivo deste trabalho é identificar as ações educativas, traçando tendências e temas ao longo da trajetória da criação de atividades turísticas, levando em consideração também as pesquisas feitas na região central do Paraná, envolvendo suábios do Danúbio em Entre Rios (Guarapuava), holandeses em Carambeí e Castrolanda (Castro), ucranianos em Prudentópolis e os menonitas em Witmarsum (Palmeira). É importante ressaltar que trazemos os primeiros resultados de um estudo qualitativo que cumpre o segundo objetivo deste texto, qual seja de oferecer devolutivas para as comunidades em questão, visto que as suas experiências particulares serão comparadas entre si e complementadas com pesquisas acadêmicas já realizadas. Os principais métodos empregados foram as entrevistas realizadas com alguns dos idealizadores e realizadores de programas turísticos durante a pesquisa de campo, junto com a observação (não)participante, documentos públicos disponibilizados pelas próprias comunidades e pesquisas acadêmicas feitas pensando o Turismo e suas áreas adjacentes. A partir desse ponto poderão ser pensadas outras possibilidades para um melhor aproveitamento do legado étnico-imigrante nas articulações turísticas e também na elaboração de atividades educativas que facilitarão a sua execução.
In this article we will discuss the articulations that some ethnic immigrant groups from Paraná carry out in the realization of ethnic tourism, and how their experiences can be seen as educational actions. It is a topic that is still not so explored as an interface between Tourism and Education, especially regarding to immigrant ethnic aspects. More specifically, the objective is to identify educational actions, tracing trends and themes along the trajectory of the creation of tourist activities, also taking into account the research carried out in the central region of Paraná, involving: Danube Swabians in Entre Rios (Guarapuava), Dutch in Carambeí and Castrolanda (Castro), Ukrainians in Prudentópolis and the Mennonites in Witmarsum (Palmeira). It is important to emphasize that this text brings the first results of a qualitative study that fulfills the second objective of offering feedback to the communities in question, since their particular experiences will be compared with each other, and complemented with academic research already carried out. Therefore, the main methods were the interviews conducted with some of the creators and directors of tourism programs during the field research, along with (non) participant observation, public documents made available by the community itself and academic research done thinking about tourism and its areas. adjacent. From there, other possibilities for better use of the ethnic-immigrant legacy in tourist articulations can be considered, as well as in the development of educational activities that will facilitate their execution.
RESUMO: Neste artigo, é apresentada uma análise de discurso jornalístico acerca das representações sobre o perfil de professor na educação angolana. O objetivo é discutir, linguística e discursivamente, como os meios de comunicação abordam aspectos ligados à educação, com foco na análise dos ditos e não ditos em concurso público para professor de rede pública em Angola, no ano de 2018. Para tanto, foram utilizadas as contribuições teórico-metodológicas de Pêcheux (1988) sobre o interdiscurso e Orlandi (1997) a respeito do silêncio, importantes para o entendimento do "jogo discursivo" entre o dito e não dito sobre o perfil do professor. Para a composição do corpus, foram considerados 14 textos publicados em 2018 no Jornal de Angola. Tal recorte temporal foi estabelecido por coincidir com a realização do concurso público que foi amplamente abordado pela mídia, constituindo a nossa hipótese de que os aspectos abordados pelos meios de comunicação são aqueles para os quais se busca adesão por parte dos governantes. Dessa forma, haveria material para discutir como e quais anseios do setor educacional sobre o futuro professor são representados pela mídia. Cabe ressaltar que as análises da interconexão entre diferentes tipos de discursos poderão possibilitar uma maior compreensão de seu impacto no imaginário que se constrói acerca dos professores, do ensino em geral e da solução para as dificuldades educacionais em Angola.Palavras-chave: Concurso público; Discurso; Educação; Formações imaginárias. ABSTRACT:In this article, we present an analysis of journalistic discourse about the representations of the teacher profile in Angolan education. The objective is to discuss, linguistically and discursively, how the media approach aspects related to education, focusing on the analysis of what has been said and not said in a public tender for new teachers in the public sector in Angola, in the year 2018. In this manner, were used the theoretical-methodological contributions of Pêcheux (1988) on interdiscourse and Orlandi (1997) on silence, important for the understanding of the "discursive game" between the said and not said about the profile of the teacher. In order to compose the
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