Frente às mudanças e permanências nos costumes, normas e políticas sexuais no Brasil, o artigo analisa as experiências de acesso de mulheres trans/travestis aos serviços de saúde e discute a discriminação sexual/de gênero e as suas demandas aos serviços de transição de gênero e prevenção da aids. O estudo envolveu entrevistas com nove mulheres trans/travestis, de 23-45 anos, das camadas populares da Baixada Fluminense, Rio de Janeiro, Brasil, realizadas em 2016, e observações de contextos de prostituição e sociabilidade. Comparando com as agressões vividas anos atrás, as narrativas das mulheres trans/travestis destacam avanços sociais. Relatam que os profissionais não as discriminam por sua condição, embora haja resistência ao uso do nome social. Esse constrangimento, somado aos problemas estruturais do Sistema Único de Saúde (SUS), são minimizados devido à agência das trans/travestis para obter atendimento, seja pelo recurso às redes de contatos, seja por sua consciência de direitos de cidadania. As narrativas sobre a busca por mudanças corporais para a transição de gênero revelam uma conjugação, por vezes tensa, entre as tecnologias oferecidas nos serviços de saúde e aquelas manejadas pelas travestis. Embora as políticas de aids focalizem ações para trans/travestis, a prevenção do HIV não está entre as suas principais demandas aos serviços. Há obstáculos de ordem subjetiva para acessar os serviços, decorrentes do estigma internalizado e da associação da infecção pelo HIV com suas condições de vida. A melhoria da atenção em saúde da população trans/travesti requer um debate sobre os problemas estruturais do SUS, a defesa da visão ampliada de cuidado do sistema e investimentos na capacitação profissional.
According to current global AIDS guidelines, HIV testing is key to the success of the 'treatment as prevention' (TasP) strategy and the control of AIDS. In view of Brazil's commitment to these guidelines, this article characterizes the principles and justifications underpinning TasP and discusses implementation challenges. The analysis draws on a systematic review of the literature (2005 to 2015) on recruitment and testing strategies for men who have sex with men. This approach was adopted based on the assumption that current knowledge on HIV testing can offer valuable insights into the foundations of global AIDS policies and their uptake in local contexts. Based on the analysis of the 65 articles selected, we suggest that TasP represents a shift in the AIDS prevention paradigm. There is an overlap between prevention and care and the new approach places major emphasis on biomedical and psychological knowledge. The TasP approach fails to address the factors associated with HIV vulnerability and the stigma surrounding AIDS and undermines the participation of activists and PLWHA as autonomous producers of preventive of preventive practices. We argue that, to ensure the effective implementation of TasP in Brazil, it is necessary to discuss issues such as the protection of human rights and the structural problems facing Brazil's public health system.
Este artigo trata da emergência da assexualidade. Com base em uma etnografia de comunidades virtuais conformadas por sujeitos autodenominados assexuais e também de artigos que vêm sendo publicados em periódicos acadêmicos a respeito, analiso a conjugação entre política sexual e produção de conhecimento. Os nexos entre as formulações elaboradas por as-sexuais e as que são realizadas por representantes do campo científico-acadêmico estão entre os aspectos mais idiossincráticos e instigantes dessa emergência. Como uma espécie de dobradiça, o encadeamento mencionado deixa ver os atravessamentos e as preocupações que se configuram atualmente em torno do tema do desinteresse pelo sexo. Busca-se também entender como argumentos e conceitos migram, se desterritorializam e reterritorializam, constituindo-se em meio a tais movimentos e interações. No caso analisado, as agendas de ativismo e de avanço da ciência não só confluem, como parecem em certos momentos confundirem-se. Os resultados permitem uma reflexão sobre o ethos científico, sua importância não somente para o campo de estudos sobre sexo, como também para grupos marginalizados em face do ideal de democracia sexual, além de indicar certa fluidez das fronteiras entre leigos e peritos nesse campo de conhecimento.
Global AIDS guidelines have prioritized the expansion of HIV testing among the groups most exposed to the virus, such as those referred to as men who have sex with men (MSM). This paper analyses the relationships between the production of prevention strategies and sexual moralities based on the results of a systematic review of academic literature about testing with gays and MSM (2005-2015, using the PubMed, Sociological Abstract and Lilacs databases). The analysis of 65 articles reveals the recruitment strategies for identifying target-subjects and how they are held responsible for their serological self-surveillance, including routine tests. The findings also point to a diversification of testing locations. Implicit assumptions about sexuality and gay affection are conveyed through the interventions’ emphasis on sociability spaces and occasional sex, especially when facilitated by the use of apps. Attentive to the symbolic dimensions of the new prevention technologies and strategies, we argue that the expansion of testing with a focus on “MSM” signals a displacement of health interventions. If before actions to control the epidemic sought to intervene in sexual practices, the current efforts are concentrated on promoting self-surveillance of one’s serological status.
Este trabalho propõe uma reflexão antropológica sobre os discursos e imagens do corpo e da sexualidade na sociedade brasileira com base em um fenômeno social particular: o surgimento do Viagra na esfera pública nacional. Explora as conotações construídas e/ou ratificadas pela mídia impressa em torno deste medicamento, a partir da análise de conteúdo de reportagens publicadas em dois jornais de grande circulação, pertencentes à mesma organização empresarial e dirigidos a públicos distintos. O material analisado data de abril de 1998 a abril de 1999, período correspondente ao início - e ápice - do debate sobre o medicamento no país. O artigo trata dos simbolismos e das estratégias discursivas utilizadas pelos jornais na apresentação do remédio para o público geral e chama a atenção para um apelo a lógicas tradicionais de gênero, a despeito de um cenário contemporâneo de questionamentos acerca das relações entre os sexos e da sexualidade.
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