O presente artigo se utiliza do The trans-Atlantic slave trade: a dataseton-line e de outras fontes para, a partir do caso do Rio de Janeiro, buscarredefinir algumas posições clássicas da historiografia brasileira acercadas relações entre o tráfico de africanos, o mercado colonial e algumaspráticas familiares forjadas pelos próprios escravos.
I E m janeiro de 1832 a polícia da Corte autorizou o despacho de três africanas para Benguela. Remetia-as Maria Carneiro, "preta livre" da qual Luiza, Vitória e Joana eram escravas de antiga propriedade.1 Muito trabalho e artimanha devem ter rolado até que Maria Carneiro deixasse para trás a estranha condição de coisa e pessoa. E como as escravas eram bem mais aquinhoadas por libertações do que os homens, ser mulher, nesse caso, beneficiou-a.Mas o que ajudou mesmo foi ter vivido em uma sociedade que alforriava escravos como nunca se viu em outras partes das Américas -na Virgínia de 1691 chegou-se a proibir toda manumissão privada, a menos que o senhor deportasse o forro para fora da colônia; mulher branca que ali parisse filho mulato era pesadamente multada, ou serva virava por cinco anos (os filhos, por trinta). 2Libertos como Maria Carneiro traziam para a civitas o que de melhor e de pior o cativeiro gestava. Também por isso ainda hoje nos tece uma sensibilidade refinadamente afro, além da crença frouxa na cidadania e na representação efetivas. Personagens como ela não raro afiançavam a mestiçagem racial, e certamente reiteravam o status quo excludente -é bom não esquecer que Maria Carneiro virou proprietária de escravos. Século e meio antes, Luís Cardoso trilhou caminho semelhante, embora de modo muito mais exuberante: fora escravo de um comerciante alemão estabelecido no Recife da década de 1680; com ele aprendeu a desvendar os misté-rios do comércio, juntou dinheiro e comprou a liberdade para, anos depois, tornar-se um mercador internacional; morreu deixando a fortuna para Topoi, Rio de Janeiro, set. 2002, pp. 9-40. * As pesquisas do autor são apoiadas pelo CNPq.
O presente trabalho parte da constatação da natureza relativamente anódina dos estudos acerca dos quilombos em sociedades escravistas nas Américas, os quais não raro juntam em uma única categoria (quilombos, cumbes, palenques, mainels etc.) estruturas que podiam englobar menos de uma dezena de fugitivos e durar semanas ou meses, ou, como no caso de Palmares, congregar até 11 mil quilombolas e persistir por quase um século. Semelhante anomalia conceitual revela a falta de taxonomias que encarem os quilombos como estruturas efetivamente históricas, que podiam circunscrever-se a meras hordas ou evoluir para a condição de comunidades autossustentáveis e, pois, capazes de se autorreproduzir econômica e demograficamente por longos períodos nas Américas.
Professor do Departamento de História da UFRJ aria Luiza Marcílio dispensa apresentações. O seu Crescimento demográfico e Evolução agrária paulista. 1700-1836 (HUCITEC-EDUSP, 2000) alia, como pouquíssimos trabalhos, a rara solidez metodológica a uma criatividade a toda prova. Trata-se, quase sem modificações, de uma tese de livre-docência apresentada na Universidade de São Paulo, em 1974, que por uma dessas ironias do destino por décadas ficou restrita aos especialistas-por isso o historiador norte-americano Stuart Schwartz o chama de "clássico secreto" no belo prefácio que abre a obra. De minha parte, reafirmo serem diversos os méritos do trabalho desta pioneira da demografia histórica no Brasil. Afinal, trata-se de obra multifacética, na qual se adentra por inúmeros caminhos, da demografia stricto sensu à história agrária, passando pelo perfil sócio-cultural do caipira. Prefiro, entretanto, ressaltar que Crescimento Demográfico e Evolução Agrária Paulista definitivamente enterra a tradiconal visão segundo a qual a economia colonial se resumiria, no essencial, às unidades voltadas para a exportação, com a atrofia absoluta dos setores mercantilizados ligados ao abastecimento. Não seria difícil encontrar em diversos clássicos a idéia de que a agricultura de alimentos e a pecuária ou bem existiriam no interior das plantations ou giraram ao redor delas, havendo mesmo quem afirme estarem elas fundadas na "economia M
scite is a Brooklyn-based organization that helps researchers better discover and understand research articles through Smart Citations–citations that display the context of the citation and describe whether the article provides supporting or contrasting evidence. scite is used by students and researchers from around the world and is funded in part by the National Science Foundation and the National Institute on Drug Abuse of the National Institutes of Health.
hi@scite.ai
10624 S. Eastern Ave., Ste. A-614
Henderson, NV 89052, USA
Copyright © 2024 scite LLC. All rights reserved.
Made with 💙 for researchers
Part of the Research Solutions Family.