353aleijadinho", assim, entre aspas, expressa não mais do que um conjunto de representações que não necessariamente tem como origem um indiví-duo chamado antônio Francisco Lisboa, supostamente um artífice, mulato, forro, que viveu em vila Rica e seus arredores, entre o final do século XvIII e o início do XIX. Como representação, entre outras representações, "o aleijadinho" é um conceito que seguiu com vida própria à medida que foi se institucionalizando no Brasil, desde meados do século XIX, a par de interesses políticos nacionalistas, em primeiro lugar, mercadológicos, depois, não correspondendo nunca a uma unidade psicológica indecomponível.Incorporando o termo tal como circula, sem aspas, o aleijadinho, no livro intitulado Aleijadinho e o aeroplano: o paraíso barroco e o herói nacional, de Guiomar de Grammont, é um misto de representações metodicamente por ela desconstruídas e analisadas a partir de uma estratégia arqueológica. não interessa à sua pesquisa, contudo, descobrir em definitivo as mentiras e as verdades sobre o homem e a sua obra. Guiomar, ao contrário do que fizeram diversos historiadores, não está interessada em desvendar os mistérios sobre a vida e a morte do aleijadinho, assim como não intenta demonstrar a verdade por detrás da farsa em torno de sua, suposta, existência. tentar refutá-la, segundo a autora, seria uma forma de fortalecer os discursos daqueles que a reiteraram, assim como os dos que ainda a alimentam.tampouco se propõe a analisar a obra escultórica atribuída àquele nome, como fizeram Bazin, Mário de andrade e outros, com os olhos demasiadamente contaminados pelo mito. aplica-se, pelo contrário, na investigação do personagem ou dos personagens nomeados aleijadinho a partir da suposição de histórias e caracteres sobre o inventado. e embora saiba, com poucos, que o nome aleijadinho tão somente classifica uma obra escultórica nas artes exercitadas em Minas Gerais do século XvIII, assim como um corpo de doutrinas artísticas por aqui operantes desde muito antes disso, Guiomar se interessa, particularmente, em seu livro, pelos critérios que mobilizaram a construção do aleijadinho como representação autoral, genuinamente brasileira e genial, a partir de meados do século XIX, nos discursos literários, históricos e críticos.tal construção tem início, segundo a autora, com o discurso de Rodrigo José Ferreira Bretas, sócio do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, publicado como biografia ou história de feitos memoráveis, em 1858, sob os auspícios de d. Pedro II. Lembra ao leitor que, à época, o Instituto proveu os meios para a invenção e o enaltecimento das tradições culturais brasileiras, sob o olhar atento do imperador, mediante o soerguimento de um panteão de heróis nacionais, ainda que inventados. a invenção do aleijadinho na persona do entalhador antônio Francisco Lisboa, que provavelmente circulou pelas Minas Gerais do XvIII, coube a Bretas, segundo Guiomar, tendo investido a composição de sua biografia em gênero epidítico, que encomia obras e louva vi-