RESUMO: Este artigo estabelece as bases para uma hematologia amazônica com a finalidade de compreender o significado do sangue com respeito a gênero, conhecimento e cosmologia. Baseando-se na crítica da teoria do patriarcado elaborada por Overing e em seu estudo das concepções piaroa sobre a menstruação, este artigo explora comparativamente as idéias de vários povos amazônicos sobre como os espíritos, os pensamentos e a força se transformam em corpos diferenciados por gênero. Defende que o fluxo do sangue é concebido como uma relação, já que transporta conhecimentos a todas as partes do corpo, unindo, e ao mesmo tempo diferenciando, homens e mulheres, e constituindo o eixo central da existência de uma pessoa ao longo de seu ciclo de vida. Por meio do estudo das práticas de resguardo, dieta e reclusão, mostra que a manipulação do sangue ocupa um lugar central na saúde amazônica. Sangrar é uma prerrogativa feminina e a lembrança incorporada nas mulheres sobre o incesto primordial entre Lua e sua irmã, que fundamenta a memória e o parentesco humanos. No entanto, os homens também "parecem mulheres" quando ficam sob a vingança do sangue de seus inimigos, assim como as mulheres sob a vingança de Lua. O sangrar põe a fertilidade em movimento, abrindo a comunicação entre o tempo cotidiano e outros espaços-tempos cosmológicos, expondo ambos os gêneros ao perigo da multiplicidade transformacional, à alienação e à morte. Sua relação com o xamanismo é, portanto, fundamental.PALAVRAS-CHAVE: xamanismo amazonense, menstruação, incesto, sangue, gênero.
Resumo O artigo investiga o cruzamento de olhares indígenas e não indígenas sobre a sexualidade do outro na Amazônia Peruana. Começa por descrever o regime de consumo sexual dos corpos indígenas imposto pela economia extrativista e o surgimento das cidades a partir do auge da economia da borracha. Em seguida, foca nas concepções indígenas sobre as relações entre sexualidade e resguardo que articulam os processos cotidianos e rituais de produção de corpos genderizados e seus agenciamentos sociocosmológicos. A partir daí, examina as percepções indígenas da sexualidade dos não indígenas habitantes das cidades, associados à figura do boto do mundo subaquático. Argumenta, então, que o abandono das práticas de resguardo é um ponto de inflexão da atual urbanização e transformação da população amazônica em mestiça.palavras-chave Sexualidade indígena; Amazônia Peruana; Cidades amazôni-cas; Práticas indígenas de resguardo; Botos.
Indigenous bodily ritual restriction and sexuality(s): a symmetrical anthropology of Amazonian sexualities in transformationAbstract The paper looks at the crossing of indigenous and non-indigenous perceptions of the sexuality of the other in Peruvian Amazonia. It begins with the description of the regime of sexual consumption of indigenous bodies brought about by the extractive economy and the growth of cities since the rubber boom. Then, it focuses upon indigenous notions of sexuality and bodily restrictions that articulate genderizing processes of bodily production and their sociocosmological aspects. Finally, it examines the indigenous perceptions of the sexuality of non-indigenous city dwellers cosmologically associated to river dolphins. It sustains that the leaving aside of ritual restrictions is a turning point of current indigenous urbanization and transformation into mestizos cadernos de campo, São Paulo, n. 24, p. 538-564, 2015
Loros y oropendolas : estética de las relaciones conyugales entre los Airo-Pai de la Amazonia Peruana Los Airo-Pai de la Amazonia Peruana utilizan una variedad de imágenes shamánicas para comentar, transformar y guiar la vida social de todos los días. En este repertorío shamánico, los muertos, llamados « gente verde/sin madurar », ven a los hombres vivos como pájaros de la especie oropendola y a las mujeres vivas como loros verdes. Ambas especies de pájaros son intensamente sociables pero tienen diferentes tipos de comportamiento. Los Airo-Pai usan estas diferentes formas de socialidad para mostrar como un género es a la misma vez diferente y complementario del otro. Ambos pájaros son considerados bellos, y a través de ellos los Airo-Pai aplican una estética corporal y social a los hombres y las mujeres, especialmente en la relación conyugal. La belleza social es buscada a través de la cooperación mutua de personas autónomas de diferentes géneros, y por cierto, esta aspiration es lograda con bastante éxito en la vida diaria de los Airo-Pai.
É a sexualidade que faz com que um homem tenha uma história. Se a história sexual de um homem oferece a chave de sua vida, é porque na sexualidade do homem projeta-se sua maneira de ser a respeito do mundo, quer dizer, a respeito do tempo e a respeito dos outros homens. Maurice Merleau-Ponty, A fenomenologia da percepção (2006, p. 218) Abro este dossiê dedicado à sexualidade entre os povos indígenas das terras baixas da América do Sul com as palavras do filósofo Maurice Merleau Ponty, pois elas expressam belamente o respeito e cuidado com que o tema precisa ser tratado. Se a sexualidade oferece a chave da temporalidade e da interação entre um ser humano e o mundo, ela não pode ser considerada uma questão marginal na etnologia nem um assunto que pode ser julgado negativamente ou mantido em silêncio.De acordo com o autor, "a sexualidade faz com que um homem tenha uma história". Entendendo que seu uso do genérico "homem" se refere ao ser humano, o qual, através da ação do desejo sexual na sua vida, entra no tempo, se singulariza e se comunica com outros seres para os quais a sexualidade é também uma força de subjetivação, de interação e de temporalização. As ressonâncias dessa abordagem fenomenológica da sexualidade nas preocupações que animam os debates da etnologia amazônica são várias. A ideia de que a sexualidade coloca em movimento uma abertura à alteridade, corporal, social e temporal, nos convida a pensar as possíveis interconexões entre as cosmologias indígenas e a produção de subjetividades diferenciadas, genderizadas e vivenciadas no desejo por outrem.
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