A carta-testamento reflete o dissenso nacional que predominava no Brasil, no governo do Presidente Getúlio Vargas (1951-1954). Está estruturada a partir do relato das ações realizadas por ele, na condição do mandatário máximo do Brasil, e das orientações, recomendações e aconselhamentos acerca do legado ideológico que ele deixou para os humildes, para o povo, o proletariado. O relato de Getúlio Vargas, o locutor enunciador primeiro (L1/E1), traduz a polarização política que dominava o Brasil, cujo regime democrático estava ameaçado. Quando Getúlio Vargas relata suas ações, assumindo a responsabilidade enunciativa, mostra o ethos daquele que fez pelo povo, que é, portanto, merecedor do reconhecimento. Propomo-nos, pois, a tratar a relação existente entre responsabilidade enunciativa coletiva (RABATEL, 2008) e polêmica pública (AMOSSY, 2014), nessa carta-testamento. Para tanto, também focalizamos a noção de ponto de vista (PDV). Nessa direção, mostramos o PDV do L1/E1 acerca de si próprio, o PDV que L1/E1 construiu dos adversários e o PDV que ele tinha sobre o povo. A relação antagônica decorrente do PDV de L1/E1, acerca de si próprio, e do PDV, que ele constrói dos adversários, constitui a visada argumentativa que nos permitiu observar a interseção entre responsabilidade enunciativa coletiva e polêmica pública.