Em 9 de março de 2009, a enfermeira Clara esteve em uma delegacia de polí-cia (DP) do Rio de Janeiro para relatar que seu sobrinho Domingos, 36 anos, solteiro, desempregado, saiu de casa na tarde de 15 de fevereiro daquele ano e nunca mais retornou, nem deu notícias. Assim que chegou à DP, entregou ao policial que a atendeu uma foto de seu sobrinho. O retrato foi anexado a um registro de ocorrência produzido pelo mesmo policial, dando origem ao que seria mais um caso de desaparecimento de pessoa ocorrido na cidade.Mais de três meses depois, Clara compareceu ao Setor de Descoberta de Paradeiros (SDP) da Delegacia de Homicídios do Rio de Janeiro Centro/Capital, para onde o caso havia sido encaminhado. O SDP é um setor da Polícia Civil do Rio de Janeiro especializado em desaparecimentos de pessoa, e recebe diariamente casos registrados, mas não solucionados, em diversas DPs. Chegando ao Setor, Clara informou que o paradeiro de Domingos já lhe era conhecido há algum tempo, e disse estar ali para oficializar o fato. Em 27 de março, a enfermeira recebeu telefonema de uma comadre informando que Domingos estava internado em um centro psiquiátrico, e pôde enfim ir ao seu encontro.Ao relatar o fato no SDP, Clara esclareceu que seu sobrinho desaparecera quando se encontrava sem destino certo, por ter sido demitido da universidade em que trabalhara por cerca de dez anos. Antes de deixar o Setor, a enfermeira assinou alguns papéis diante dos policiais ali presentes e, por fim, pediu que lhe devolvessem a fotografia de Domingos anexada ao caso, "por ser pertencente a um álbum de família" (SDP 018/08).
This article discusses implications and potentialities of anthropologically thinking and researching with documents, arguing that they consist of ethnographic artifacts, which can be particularly fruitful in certain research contexts. In order to do that, it resumes some movements of distancing and rapprochement between anthropology and documents and places two recent ethnographic experiences in dialogue. One a research through police inquiries of Brazilian Federal Police concerning "human trafficking for sexual exploitation" crimes, and the other focused on administrative procedures related to "missing persons" cases investigated by Rio de Janeiro Civil Police. In addition to revealing the heuristic potential of "following the paper" and calling attention to the micro politics of the interactions among those that document and those who are documented, the paper aims to contribute to larger discussions about the challenges that dealing with documents in field work situations poses to anthropology and its self-representations.
O dossiê apresentado reúne artigos que tomam como objeto de reflexão práticas de documentação e artefatos documentais produzidos e/ou arquivados em diferentes instâncias de burocracias estatais. Resultado do grupo de trabalho “Antropologia, burocracia e documentos”, realizado no IV Encontro Nacional de Antropologia do Direito (ENADIR), em agosto de 2015, na Universidade de São Paulo (USP), o volume apresenta importantes reflexões acerca dos modos pelos quais documentos diversos - como processos judiciais, inquéritos policiais, laudos periciais, relatórios e ofícios - são produzidos, transacionados e arquivados em e através de burocracias, constituindo as tramas pelas quais órgãos, decisões e políticas públicas ganham sentido e visibilidade na vida social. Os artigos aqui compilados contribuem, assim, para diversos campos e debates interdisciplinares no âmbito das Ciências Sociais, e em especial para a interface entre Sociologia e Direito, foco da Revista Confluências.
O artigo tem por objetivo compreender a construção do desaparecimento de pessoas como um problema social que acomete o Brasil contemporâneo. Levando em conta a classificação de casos de desparecimento em delegacias de polícia como “problemas de família” e ocorrências de menor importância, propõe-se a analisar como esse fenômeno ganha o estatuto de questão grave, urgente e que demanda engajamento por parte de diferentes atores sociais e órgãos de administração pública. A hipótese sustentada é a de que a controvérsia em torno da natureza do fenômeno, estabelecida entre policiais, mães de pessoas desaparecidas e gestores de políticas públicas, é o que constitui o desaparecimento como problema social. O texto é fruto de pesquisa etnográfica multissituada, iniciada em um setor da Polícia Civil do Rio de Janeiro especializado em casos de desaparecimento e estendida para eventos de uma rede que reúne organizações governamentais e não governamentais que lidam com a questão.
O artigo discute questões de ordem metodológica implicadas em uma experiência particular de pesquisa etnográfica: um trabalho de campo extensivo realizado junto a servidores públicos, funcionários de organizações não-governamentais (ONGs) e membros de associações civis reunidos em uma rede de instituições voltada para a prevenção e o enfrentamento de casos de desaparecimento de pessoas no Brasil contemporâneo. Recompondo parte da trajetória de pesquisa e analisando alguns episódios centrais do trabalho de campo, discuto as possibilidades e os desdobramentos da aproximação entre autoridade etnográfica e autoridade burocrática implicadas nesse contexto específico de pesquisa e, ainda, trato dos dilemas da articulação entre pesquisa e participação por ele engendrados.
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