Origina-se este artigo dos diferentes achados sobre devoção popular, a partir de pesquisa de doutorado realizada. Aqui, todavia, iremos afunilar o debate e analisar os seguintes objetivos: elencar as “santas do povo” no Ceará, destacando se há relação entre corpo em sofrimento e produção de santidade, num olhar de gênero; discutir as particularidades de histórias de mulheres assassinadas e tornadas parte do catolicismo popular, no Ceará e, por fim, traçar um perfil de quem são elas, da faixa etária, das motivações do crime, da temporalidade de suas mortes entrelaçado com narrativas de devotos. Importa destacar que utilizamos amplamente análise documental (FREHSE, 2005), num olhar atento às matérias de jornais. Debruçamo-nos, especialmente, sobre as histórias das “santas do povo” no Ceará, baseado no caderno “Santificados”, do jornal “O Povo”, um dos principais jornais de circulação de Fortaleza-CE. Os resultados desta investigação nos revelam que das dezesseis “santas do povo” cearense analisada, não há dúvidas de que a castidade, o silêncio e a obediência são uma representação do discurso católico (GAJANO, 2002; LE GOFF, 1990; LE GOFF, 2007; MATOS, 2014) que atravessa a vida dessas mulheres. Algumas criaram estratégias de agenciamentos em suas vidas, numa perspectiva de gênero (MARQUES, 2014), porém, foram reconstruídas pelos “fabricantes de santos” (SÁEZ, 1996), a partir do discurso da violência, reconfigurado na ideia de martírio. Porém, é sabido que as narrativas a respeito delas transbordam ou até “subvertem” tais tipologias. São, pois, santas híbridas e porosas, no sentido de que não há uma identidade fixa de santidade nas histórias apresentadas. Há, sim, pontos de interrogações, recriações, assimetrias e continuidades na constituição de feminilidades das “santas do povo”.