Este texto, ancorado em um trabalho etnográfico levado a cabo na África do Sul desde 2006, traz à tona o engajamento de farm dwellers da região de Kwazulu-Natal para que os funerais de seus parentes se realizem no interior de fazendas onde residem, mas que pertencem a fazendeiros brancos. Em um primeiro momento, apresentamos brevemente peças de legislação chamadas acts, que abrem o caminho para um entendimento mais nuançado dos quatro casos etnográficos trabalhados em seguida. Por fim, concluímos com algumas reflexões sobre o que os funerais e os ancestrais nos ensinam sobre o valor da terra como propriedade intelectual.
Resumo: Nosso texto se debruça sobre os escritos etnológicos de Archie Mafeje. Este autor sul--africano que viveu boa parte de sua carreira acadêmica no exílio, formulou críticas contundentes às ciências sociais em geral e à antropologia em particular. Para ele, formações sociais que desafiam nossas abordagens taxonômicas e dualistas, continuam sendo encarceradas em escaninhos estreitos e claustrofóbicos, em abordagens voltadas para a classificação e a interpretação do Outro. Esta ideia de alteridade baseia-se em uma leitura teórica que segrega o sujeito do objeto de escrutínio, da análise social. Em trabalhos que apontam os equívocos de estudos antropológicos, históricos e de sociologia urbana no continente africano, Mafeje demonstra como as apostas epistemológicas das ciências sociais legitimaram ideias e ideais de sociedades imóveis, circunscritas a limites territoriais demarcados no período colonial. Em suma, temos confinados o Outro, ao mesmo tempo em que temos nos satisfeito com modelos analíticos que perversamente permitiram o avanço da expropriação de terras e seus efeitos: xenofobia, êxodo, intolerância e racismo. A saída para Mafeje estaria no estabelecimento de uma interlocução autêntica, fundada não numa divisão entre o Eu e o Outro, mas no que ele chama de ontologia combativa. Segundo o autor, ao fazer etnografia, estaríamos recompondo o mundo para além dos dualismos e das cisões. Com tal proposta, Mafeje defende um projeto pós-antropológico de produção de conhecimento.Palavras-chave: Archie Mafeje, alteridade, ontologia combativa, interlocução autêntica, etnografia.
Este artigo traz algumas considerações de ordem analítica e políticas sobre o processo de zumbificação ou embruxamento na universidade e nas promessas de uma educação superior. O artigo ancora-se em material diverso (fragmentos de uma biografia, diários de campo da vida acadêmica e romances literários), proveniente de pesquisa na África do Sul e no Zimbábue. O argumento etnográfico tem duas interlocutoras principais que defendem o que chamamos de uma composição-terra. Elas lutam para se desvencilhar do aniquilamento colonial e racista que restringe suas vidas ao que denominamos de composição-plantation. Suas considerações sobre como o humano é reduzido a mero human resource na universidade, na educação superior e além, conformam argumentos etnográficos com força para confrontar a devastação capitalista promovida em nome de um sujeito universal de conhecimento. A principal proposta do artigo é, portanto, uma transformação analítica dos conceitos de alteridade, igualdade e diferença.
O artigo se propõe a mostrar que o interesse de P. Bourdieu pelas questões econômicas já estava presente desde seus primeiros trabalhos - sobre o processo de adaptação ao capitalismo das populações autóctones na Argélia - nos quais já se encontram as formas mais elaboradas de uma sociologia da economia. Nesses trabalhos, fortemente ancorados em uma pesquisa realizada na mesma época sobre o celibato e a crise da reprodução camponesa no Béarn, sua região de origem, P. Bourdieu opõe-se radicalmente à concepção da teoria neoclássica, e demonstra que as disposições econômicas mais fundamentais - necessidades, preferências, propensões ao trabalho, à poupança e ao investimento - não são exógenas, colocando em evidência as condições sócio-históricas do comportamento econômico racional. Tais trabalhos revelaram-se essenciais para todas as pesquisas posteriores como fontes de questões a serem examinadas, como matrizes de inovações conceituais e como posturas teóricas posteriormente afirmadas.
The present article analyze P. Bourdieu's interest in economic questions, showing how this interest was present since the author's initial work - regarding the autochthonous population of Algeria's adaptation to capitalism - in which more elaborate forms of a sociology of the economy can already be found. In these works, which where anchored on simultaneous research conducted regarding celibacy and the crisis of peasant reproduction in Bearn, P. Bourdieu's birth region, the author radically opposed neo-classical theoretical concepts. Bourdieu demonstrated that the most fundamental economic dispositions (needs, preferences, propensity towards work, savings or investment) where not exogenous, exposing the socio-historical conditions of rational economic behavior. These works are essential elements in the forging of an understanding of all of Bourdieu's later research. They are sources of the questions which will later be examined, matrixes of conceptual innovation and theoretical positions which will later be developed and affirmed
Porto Alegre v. 12 n. 3 p. 469-488 set.-dez. 2012 Os conteúdos deste periódico de acesso aberto estão licenciados sob os termos da Licença Creative Commons Atribuição-UsoNãoComercial-ObrasDerivadasProibidas 3.0 Unported. Ser embruxado Notas epistemológicas sobre razão e poder na antropologia* Being bewitched Epistemological notes on reason and power in anthropology Antonádia Borges** Resumo: A partir da experiência de farm dwellers sul-africanos em luta pelo direito a terras onde possam conviver com seus ancestrais, este texto aproxima Estado e Bruxaria a fim de discutir razão, poder, relativismo, cultura e universalismo. Ambos os conceitos, de alastrada presença na antropologia, mostram-se refratários aos projetos de transformação nos quais se empenham os sujeitos desta pesquisa, dedicados a se livrarem dos grilhões modernistas que, tendo por base um ideal de racionalidade, os segrega no tempo e no espaço. A perene e alastrada presença desses conceitos em etnografias contemporâneas tanto indica o caráter ativo do fardo modernista que a disciplina carrega como revela o quanto a abordagem antropológica se aproxima dos modos de embruxamento operados pelo Estado.
IntroduçãoNo Distrito Federal encontramos com recorrência, nas apreciações de senso comum a respeito da vida nas cidades que circundam Brasília, uma série de termos que pontuam parte significativa dos estudos sociológicos sobre fenô-menos políticos e/ou eleitorais. Não raro, a vida de milhares de pessoas é considerada apolítica, porque marcada pelo clientelismo. Sabemos bem que, ao menos nos textos considerados clássicos, termos como clientelismo, populismo ou coronelismo eram tratados com extremo rigor, sendo invariavelmente referidos a fenômenos específicos, para os quais tais categorias encerravam um valor heurístico preciso (p.ex., Queiroz 1969;Leal 1949). A transposição ordinária desses termos para todo e qualquer contexto indica não apenas a imprecisão teórica daqueles que assim procedem, como descortina seu preconceito. Preconceito moral (moralista e moralizante) que não se desvincula do preconceito sociológico característico desse tipo de apreciação.Incomodada com essa retórica que tropeça nas pedras pretensamente relativistas espalhadas pelo caminho, procurei compreender como certos fatos sociais totais, por assim dizer -como o Estado, o governo, a política, as eleições -, eram vividos por pessoas que moravam na cidade do Recanto das Emas. Neste artigo, proponho um confronto entre o conhecimento produzido etnograficamente e esse tipo de formulação calcada em antagonismos morais ao analisar as implicações dos sistemas cadastrais desenvolvidos pelo governo local para hierarquizar a população em uma escala de merecedores de um lote. As pessoas que se cadastram se envolvem com os funcionários do governo de forma dissonante: não se trata de uma relação exclusivamente burocrática ou personalista. De seus encontros resultam sobretudo documentos, isto é, registros gráficos, provas materiais que tornam palpáveis e presentes as alterações na vida de ambos. Os papéis que cada MANA 11(1):67-93, 2005
Resumo: Coadunando ficção literária e etnográfica, o presente artigo toma como inspiração o romance Disgrace de Coetzee, os chamados discursos de ódio atribuídos a Julius Malema e a experiência dos moradores de fazenda na região de Kwazulu-Natal para problematizar disputas entre “ideais de existência” que têm cães como mediadores. O objetivo aqui é atentar para o efeito epistemológico que o entendimento das trocas de insultos por meio dos animais pode ter sobre nossa compreensão do racismo na África do Sul e alhures, e sobre o papel da antropologia a esse respeito.
A capital brasileira, com sua peculiar arquitetura, talvez seja o símbolo mais hiperbólico de uma crença ainda vigente no modernismo. Segundo a proposta de Scott (1998), dentre outros, o olhar centrado no Estado e nas classes dominantes não raras vezes corrobora o senso comum a respeito da apatia popular. Obviamente tal juí-zo se torna convencional quando as lutas políticas dos governados não representam ameaça ao status dominante, ou seja, não constituem rebeliões -grandes ou pequenas. Nesses casos, tende-se a depreciar quaisquer resistências cotidianas, a não lhes dar muita atenção. Em um de seus livros -Seeing like a State: how certain schemes to improve the human condition have failed -, Scott toma o caso de Brasília, a capital do Brasil construída nos anos 1960 sob a ideologia modernista, cujo projeto tinha, entre outros, dois propósitos específi-cos: (i) deslocar a administração do país do Rio de Janeiro para o interior do território, de maneira planejada, sem os vícios culturais herdados do período colonial; e (ii) conter as ondas migratórias que chegavam *Doutora em Antropologia pela Universidade de Brasília (2003). Atualmente é Professora no Departamento de Antropologia (Brasília/DF/Brasil). Dedica-se à pesquisa em teoria antropológica, com trabalho de campo no Brasil e África do Sul. Coordena o GESTA (Grupo de Estudos em Teoria Antropológica) e, em conjunto com outras colegas da UnB, o LAVIVER. antonadia@gmail.com. 1. Artigo para o dossiê Experiências socioantropológicas através da educação. Agradeço aos organizadores, a todas as pessoas com quem trabalhei no projeto Um toque de mídias, e muito especialmente às minhas amigas e colegas Diana Milstein e Regina Coeli Machado, com quem venho nutrindo ricos debates sobre etnografia em contextos escolares. Dedico este ensaio à memória do saudoso fotógrafo José Rosa.
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