I. INTRODUÇÃOÉ absolutamente surpreendente que Antonio Gramsci tenha sido apresentado ao público do pós-guerra primeiramente como um "teórico da cultura". E mais surpreendente é a persistência dessa imagem. Certamente, há em sua obra e, particularmente, nos Quaderni del carcere uma abordagem consistente da cultura, especialmente da cultura italiana. Nos diversos planos de trabalho que antecederam o início da redação dos Quaderni, essa questão aparecia de modo persistente. E, mesmo após o início da redação, ela permaneceu. Mas a questão que a partir de determinado momento passou a organizar o empenho gramsciano foi outra: a política.No projeto original dos Quaderni, exposto em uma carta escrita em março de 1927, Gramsci apenas indiretamente se refere à política, planejando, por outro lado, dedicar-se principalmente a uma história dos intelectuais italianos e a questões da cultura (cf. GRAMSCI, 1973, p. 58-59) 1 . E, nas primeiras páginas que redigirá, a partir de 1929, os temas privilegiados diziam respeito à história italiana e a sua cultura. O momento no qual parece ocorrer a explosão da reflexão propriamente política parece ser indicado por uma nota despretensiosa. Trata-se de uma observação a respeito do poder e da oposição, creditada a Léon Blum e inscrita no Primo Quaderno: "La 'formula' di Léon Blum. Le pouvoir est tentant. Mais seule l'opposition est confortable" (Q 1, § 40, p. 29) 2 . Se esse é um momento-chave, é porque inaugura essa reflexão e não porque, a partir dele, esta já apareça como acabada ou madura. Temas importantes do pensamento gramsciano aparecerão no mesmo Quaderno, em notas seguintes a esse parágrafo, particularmente no parágrafo 43 ("Riviste tipo") e no 44 ("Direzione politica di classe prima e dopo l'andata al governo"). Mas esses parágrafos parecem definir apenas um conjunto de problemas de pesquisa e hipóteses de trabalho.A impostação desses problemas nessas importantes notas era claramente histórica e remetia de modo recorrente ao desenvolvimento italiano e à dificuldade de afirmação de uma unidade nacional no Risorgimento. A localização da segunda versão dos parágrafos 43 e 44 no interior dos cadernos 1 Sobre os diferentes projetos dos Quaderni, ver Frosini (2003) e Bianchi (2007b).2 Para facilitar a leitura e a comparação entre diferentes edições, citamos os Quaderni del carcere sempre a partir de sua edição crítica (GRAMSCI, 1977), adotando a seguinte nomenclatura: Q xx, § yy, p. zz, em que Q indica a edição crítica, xx o número do caderno, yy o parágrafo e zz a página).