Este artigo tem por objetivo analisar a produção da criança como um estado de língua marcado pela heterogeneidade, domínio que convida a levar em conta a teorização saussureana, já que não se pode penetrá-lo sem "tocar com o dedo o jogo do mecanismo linguístico" (CLG: p. 192). Dedicado aos fatos linguísticos bem como a seus efeitos no diálogo com o interlocutor (predominantemente um adulto), procuramos, através de uma observação longitudinal explorar, no quadro da elaboração teórica de De Lemos (2002), o que é a fala da criança, enquanto acontecimento de um sujeito capturado pela ordem da língua, movimento pleno de inovações. Algumas são previsíveis, outras, inusitadas, elas tocam limites consolidados da língua, num funcionamento que se manifesta em ocorrências que podem surpreender os ouvintes, qualificadas até como engraçadas (o riso como efeito). A evidência empírica disponível (morfologia verbal e nominal) mostra que a reflexão que se depreende da doutrina teórica de Saussure participa da variação transbordante tanto quanto da perda, esquecimento estrutural dessa variação – um declínio nas formas destoantes, no percurso da criança, podendo atestar uma ordem relativamente estável. Estável, porém, não imutável. No que diz respeito a flexão verbal, indagamos sobre o lapsus linguae da fala adulta, visto como irrupção momentânea de uma combinação esquecida da língua.