Este artigo apresenta, inicialmente, algumas grandes etapas históricas da conquista dos direitos de trabalhadores na França, sublinhando o que levou a um real reconhecimento oficial dos direitos em matéria de luta para a melhoria das condições de trabalho. No decorrer dos anos 1970, quando a "flexibilidade" se tornou a palavra de ordem da reestruturação das empresas, duas leis questionam a proibição da intermediação de mão de obra, instaurando um processo estrutural de precarização do trabalho e do emprego, que alterou não somente a segurança econômica dos assalariados como o conjunto dos direitos associados ao contrato de trabalho. Esse processo desmonta, em grande parte, o direito à saúde dos trabalhadores nos locais de trabalho, a exemplo dos cânceres profissionais, como revela pesquisa permanente realizada em uma região parisiense, junto a pacientes acometidos de câncer. Novas redes de resistência, no mais das vezes internacionais e constituídas numa base cidadã, organizam-se, entretanto, em torno dos desafios de saúde, tal como é tratado na conclusão. PALAVRAS-CHAVE: precarização, cânceres profissionais, direitos, resistências, França.
INTRODUÇÃONa França, como em todos os países industrializados, a partir do fim dos anos 1970, a "flexibilidade" se tornou a palavra de ordem da reestruturação das empresas, uma virtude nova erigida pelo patronato e os poderes públicos como valor de referência da volta ao crescimento. Sob esse vocábulo abstrato se dissimulam os fenô-menos materiais de transformações do trabalho: intensificação do trabalho, demissões, instalação de um desemprego estrutural, destruição dos coletivos de trabalho, erosão dos direitos ligados ao contrato de trabalho, em especial pelo recurso ao trabalho temporário e à terceirização. Podese acrescentar a tal lista a deslocalização das produções de risco para os países cujas condições salariais são menos onerosas e as regulamentações sobre a saúde e o meio ambiente inexistentes. Como eu pude mostrar no âmbito de uma cooperação franco-brasileira (Thébaud-Mony, 1990), terceirizar ou deslocalizar os riscos, em vez de investir para controlá-los, são as duas facetas de uma mesma estratégia industrial. Entretanto, certas leis, contraditórias com essa exigência de flexibilidade, existem na França há mais de um sé-culo e meio e, em teoria, reconhecem aos trabalhadores direitos em matéria de segurança econô-mica, mas também de cidadania na empresa, em especial no que diz respeito à proteção à saúde.O presente artigo apresenta, inicialmente, algumas grandes etapas históricas da conquista dos direitos de trabalhadores na França. A seguir, analisa a "desorganização" do trabalho, que se opera no decorrer dos últimos trinta anos, e suas consequências sobre a saúde dos trabalhadores, em especial no que concerne aos riscos mais graves. E, por fim, trata das resistências que se organizam nacional e internacionalmente diante dos desafios da saúde do trabalhador.