“…Não é preciso tanta imaginação para pensar os animais, em diferentes contextos, como representantes contemporâneos dessa figura que é capturada ao ser excluída, capturada por uma política de exclusão (40); dessa figura que representa vidas desqualificadas, vidas nuas, que podem ser mortas sem que existam assassinos -como é o caso dos milhões de animais que morrem anualmente nos laboratórios de pesquisa científica. O ponto que estamos tentando destacar, no entanto, é que a operação de transformar vidas animais em homo sacer, em vidas nuas, não se restringe ao ato de matar em si (este é o episódio final de uma trajetória), mas também a todo o conjunto de saberes canônicos que construíram, ao longo de séculos, o animal como um ser inferior e complementar necessário ao humano elevado (19,41,42); que associaram suas vidas à animalidade, à selvageria, à brutalidade; ou que associaram seus modos de ser -em toda sua imensa diversidade -ao signo do negativo: seres sem razão, sem linguagem, sem cultura. No mesmo sentido de nossa argumentação, Felipe Süssekind (42), ao realizar o esforço de pensar outras maneiras de coabitar o mundo entre espécies, isto é, de levar uma "vida multiespécie", problematiza, a partir do conceito agambeniano de "máquina antropológica", aquilo que ele chama "dispositivo antropocêntrico": a afirmação da humanidade, ao delimitar sujeitos de direito, sujeitos de uma vida qualificada, se constitui, nesse sentido, como uma máquina que reduz os viventes desprovidos de humanidade à condição de objetos ou de instrumentos.…”