Agachamos sob o Gunga, pedimos força e licença ao povo ancestral da Capoeira, às linhagens presentes e aos que virão. E então, daremos início a este jogo, justamente, com as mãos, pés e cabeça no chão. O primeiro movimento deste texto são algumas imagens de re-ligações com a memória ancestral e com lembranças do trajeto até aqui. O segundo movimento é de um jogo maliciado com a academia, um jogo de sobe-desce e aqui-alí, entre as delícias e venenos dos caminhos dessa pesquisa. No terceiro movimento deste texto, num chamado à Mãe-Capoeira, voltaremos novamente ao chão, à Mãe-Terra, para lhe tomar a bença. Já no quarto movimento, desfrutamos de imagens da presença da Mãe-Capoeira em momentos de lamento, de guerra e de festa. E, por fim, para o "Adeus, adeus! Boa viagem!" ficam algumas impressões derradeiras.Isto dito, a roda se armou num movimento introdutório que, como o próprio termo sugere, traz imagens do trajeto penetrante. Cenas nos caminhos banzeiros, 2 guerreiros e festeiros, que en-sinam viver uma filosofia-de-vida-matrial-capoeira com todo corpo/alma/famíla afro-ameríndia em fraternidade. Nesse sentido ao mesmo tempo íntimo e coletivo, a exemplo de meu papai contador de histórias, e re-movida pelo amor, pela memória e pela criação, prefiro contar algumas cenas, pois uma imagem diz milhões de palavras, e em silêncio:1.1. Uma narrativa ancestral de re-nascimentos.Noite de segunda-feira, acaba a luz elétrica e começa a viela em êxtase infantil, com permissão pra vociferar e ganhar a noite da rua. A queda das lâmpadas-holofote e a armação das velas no chão dão a permissão para a intimidade da roda. Papai inicia sua arte de contar assegurado pela presença da mamãe, filhos de uma mesma aldeia.Lá no Morro dos Macaco, no sertão do Piauí era um lugar em que vivia uma gente que não tinha fazenda e nem era escrava de fazendeiro. O lugar chamava assim por que os fazendeiros falavam: "-Me mandou pro inferno e foi se embora daqui, deve de tá lá no morro dos macaco." Porque lá era só preto e índio.Lá morava Yayá uma índia muito brava e rezadeira, curava gente, bicho e planta, e botava ordem no terreiro. Lá também vivia um preto muito arisco, conhecido como Zé Gato. Chamavam ele de Gato porque era muito silencioso, misterioso, e não tinha diabo que derrubasse esse homem de bunda e costa no chão. Mesmo dormindo.As crianças da aldeia esperavam ele dormir na rede, quando ele embalava no sono, Outra cena que desfila no meu palco da memória foi a de uma manhã de chuva (desconforto do pé assando na meia molhada) era agosto, mês do soldado, lembro das unhas cor-de-rosa da professora no papel desenhado de mimeógrafo que ela, sem me olhar, colocou na minha mesa. A nossa função era colorir o desenho de um soldado. O único soldado que eu tinha visto era um jovem negro e grande que atravessava a viela todo dia e cumprimentava sorridente as crianças.Não deu outra! Pintei a roupa de cor verde escura e a pele de cor preta. Daí, a professora, agora com o meu soldado colorido pendurado nos dedos com unhas rosadas, resmungou que até que ...