Resumo: Neste artigo, partindo de uma análise dos conceitos de corpo e potência presentes nas filosofias de Nietzsche e Espinosa, objetivamos mostrar que ambos os filósofos, além de fazerem uma crítica aos valores transcendentes, afirmam a necessidade de criação de novos valores e mostram que para que uma ética afirmativa da vida seja possível há, antes de tudo, a necessidade do aumento de potência da totalidade corpo/ mente, obtido através de uma terapêutica fundada na dinâmica afetiva. Considerando que tanto Nietzsche quanto Espinosa recorrem ao mesmo afeto, o da alegria, para a cura da impotência e apresentam uma terapêutica de caráter estritamente pessoal, recusando a criação de uma ética normativa, concluímos que uma terapêutica que objetiva realmente promover saúde deve ser um processo essencialmente afetivo, pautado em escolhas e ações salutares próprias, e não uma moralização dos atos da vida cotidiana, operada pelos manuais de psicologia do comportamento e de higiene coletiva.
Palavras-chave: corpo -saúde -potência -terapêutica -afetividadeNeste artigo realizaremos uma análise dos conceitos de corpo e potência presentes nas filosofias de Nietzsche e Espinosa, de modo a desenvolver a ideia de uma terapêutica fundada na dinâmica afetiva, porque acreditamos que ambos os filósofos, além de fazerem uma crítica aos valores transcendentes e afirmarem a necessidade de criação de novos valores 1 , também mostram que para que outra ética seja possível há, antes de tudo, a necessidade do aumento de potência da totalidade corpo/mente, obtido * Doutoranda em Filosofia pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH/USP).
Cadernos Espinosanos XXIV
142Adriana Belmonte Moreira 143 através de uma terapêutica dos afetos. Em nosso percurso, apresentaremos alguns pontos de convergência e de divergência existentes entre os filósofos 2 , sem deixar de supor a significativa influência do pensamento de Espinosa na filosofia nietzschiana. Recorreremos fundamentalmente à Ética de Espinosa e aos textos de Nietzsche do chamado último período de sua produção filosófica (1883-1888), incluídos os fragmentos póstumos 3 . Isto porque nesses escritos Nietzsche apresenta o corpo como uma estrutura social de impulsos e afetos que lutam incessantemente para aumentar sua potência, subjugando outros conjuntos afetivos. A seu ver, mesmo a alma deve ser remetida a este registro, já que não se distingue substancialmente do corpo.Já Espinosa, na Ética, apresenta o corpo como uma estrutura complexa composta de outros corpos, e a mente como "idéia do corpo" e "idéia da idéia do corpo". Mente e corpo definidos como modos finitos dos atributos de uma única substância, Deus. Modos estes que, em sua essência, também podem alcançar diferentes graus de potência. Assim, embora um aposte num monismo da substância, em seus atributos e modos, e o outro recuse qualquer perspectiva substancialista (seja monista ou dualista), tanto Espinosa quanto Nietzsche apresentam o corpo e a alma ou mente como uma totalidade afet...