RESUMO -O jeitinho tem sido descrito, nos estudos antropológicos, como uma prática usual na cultura brasileira para contornar impasses burocráticos e até mesmo legais. Este artigo oferece uma perspectiva interacional sobre essa prática, focando no modo como os mediadores se valem do jeitinho para celebrar um acordo entre reclamante e reclamado em audiências de conciliação envolvendo relações de consumo. À luz das contribuições dos estudos da fala-em-interação, analisamos como o jeitinho é co-construído pelas partes, examinando duas audiências realizadas em órgãos brasileiros de proteção do consumidor. Os resultados apontam que, mesmo no contexto jurídico, o jeitinho emerge como um tipo de ação que ora se aproxima do enquadre da corrupção, ora do favor.Palavras-chave: mediação, fala-em-interação, relações de consume, jeitinho.ABSTRACT -"Jeitinho brasileiro" (Brazilian way of dealing with problems) has been described, in anthropological studies, as a usual practice in Brazilian culture to circumvent bureaucratic and legal impasses. This article offers an interactional perspective on this practice. Focus here is on how mediators use jeitinho to conclude an agreement between the complainant and complained in conciliation hearings involving consumer relations, by analyzing recorded and transcribed oral speech data. In light of the contributions of studies of talk-in-interaction, we examine how this strategy be discursively accomplished in this type of activity. The results show that even in the legal context, the jeitinho emerges, within a continuum, as a kind of action that is sometimes seen close to corruption sometimes close to favor exchanges.
IntroduçãoO Poder Judiciário brasileiro vem, há algumas déca-das, tentando enfrentar aquele que talvez seja o seu maior dilema: prestar seus serviços de maneira célere e segura. No que se refere aos confl itos envolvendo as relações de consumo, desenvolveu-se uma regulamentação específi cao Código de Defesa do Consumidor-CDC, e foram abertos espaços como os Juizados Especiais e os Procons, que favorecem acesso mais rápido à Justiça através de audiências de conciliação. Nesses encontros, auxiliados por um mediador, reclamante e reclamado buscam a negociação de uma solução para o confl ito. É central, neste processo, o papel do mediador na facilitação da construção do acordo, encontrando estraté-gias para demover as intransigências das partes.Uma das estratégias identifi cadas, na literatura sobre mediação familiar, como efi caz para a obtenção de um acordo é, segundo Donuhue (1989), a de construção de propostas alternativas que levem as partes a fazerem concessões para conciliar seus interesses, sem, porém, infringir o princípio da igualdade que orienta as relações num contexto jurídico.No caso da mediação em relações de consumo no Brasil, o estudo de Abritta (2007), sobre a fala-eminteração em audiências de conciliação, aponta, no entanto, que, ao longo desses encontros, os participantes posicionam-se tanto como indivíduos cujas relações são orientadas pelas normas do CDC,...