Lugares do Catolicismo Negro na São Paulo do século XIX

Abstract

resumo No século XIX, auge da presença dos negros na cidade de São Paulo, quatro Irmandades de Homens Pretos se inseriam no plano urbano, demarcando os lugares onde a população excluída poderia estabelecer redes de sociabilidade, preservando ainda referenciais africanos. O fluxo de devotos negros nessas e nas outras igrejas permitiria o estabelecimento de territórios do Catolicismo Negro em São Paulo, considerados como gêneses da presença urbana negra nesta cidade. Para além da apresentação desses marcos arquitetônicos e reconhecimento desses lugares da cena religiosa dos Oitocentos, o exercício de identificá-los a partir dos documentos primários tem como fim último revelar traços de uma história urbana ainda silenciada.

Decolonização da vivência religiosa como estratégia comunicacional

“…Bem como as negociações ou atravessamentos (re)existentes que decorrem desse projeto histórico de dominação e imposição religiosa. A romanização do catolicismo recebia o reconhecimento de sua legitimidade pelo povo, porém, por não fazer sentido com a trajetória local, essas pessoas não deixavam de viver sua fé do modo como se construíram nas relações culturais estabelecidas localmente (SANTOS, 2008).…”

“…No caso goiano, o catolicismo se consolidou pelo padroado nas colônias que tinham por característica serem rurais, isoladas, iletradas e submetidas ao sistema econômico capitalista (SANTOS, 2008). Entretanto, o catolicismo popular praticado em Goiás se compõe do contexto mais amplo do mundo rural que indica influências culturais indígenas e africanas, o que não Extraprensa, São Paulo, v. 13, n. 2, p. 74 -90, jan./jun.…”

“…Decolonização da vivência religiosa como estratégia comunicacional Denise Rodrigues Soares Suzete Aparecida Gomes Silva (in memoriam) Luciene de Oliveira Dias significa a existência de uma consciência antirracista no período. Ainda na relação da condição de colônia, a prática popular do catolicismo reproduziu a matriz portuguesa de aceitação social da escravização e, como explica Santos (2008), contribuiu para a construção de um discurso que desumanizava pessoas negras implicando às mesmas a condição de objeto e de mão de obra escravizada.…”

“…O processo de aceitação de ritos no catolicismo popular que haviam sido incorporados de outras religiões não deixou de ser reestruturado. Como evidenciam os trabalhos de Santos (2008) e Abreu (1996), a igreja católica se viu obrigada a incorporar essas manifestações na tentativa de assumir uma posição de controle. Os elementos que evidenciavam a identidade de um povo ao mesmo tempo massageavam o ego do Império ao trazer símbolos da realeza, como a figura de Imperador na festa do Divino Espírito Santo e, por consequência, tornava difíceis retaliações mais duras por parte do clero brasileiro em meados do século XIX.…”

“…No entanto, essa relação gerou atrito, especialmente em Goiás, onde a identidade do catolicismo popular fazia com que o ultramontanismo encontrasse o que chamavam de "máculas" nos rituais religiosos populares. A solução encontrada pela igreja foi, segundo Santos (2008), subsistir às divergências realizando festividades populares. De modo especial, a festa do Divino Espírito Santo preocupava especialmente os líderes religiosos porque sua celebração, no contexto popular, estava envolta em "banquetes, danças, folias, as citadas cavalhadas e pelo fato de sua renda não se dirigir para as paróquias, mas para o financiamento de novas manifestações profanas" (SANTOS, 2008, p. 209-210).…”