A "terceira onda de democratização" tem produzido nos países nela envolvidos diferentes experiências e resultados. Em alguns, a redemocratização implicou a elaboração de Constituições "refundadoras", gerando novos pactos e compromissos políticos e sociais. Em outros, ela foi acompanhada da descentralização política e financeira para os governos subnacionais. Em muitos países federais, a redemocratização, a descentralização e as novas Constituições mudaram o papel dos entes federativos. O Brasil é um exemplo onde todos esses fatores ocorreram simultaneamente.A Constituição de 1988 desenhou uma ordem institucional e federativa distinta da anterior. Voltada para a legitimação da democracia, os constituintes de 88 optaram por duas principais estratégias para construí-la: a abertura para a participação popular e societal e o com-
513Revista Dados 1ª Revisão: 11.10.2001 Cliente: Iuperj -Produção: Textos & Formas *Este artigo é uma versão revista e atualizada de dois capítulos anteriormente publicados em livro (ver Souza, 1997). Agradeço a Fernando Abrucio, parecerista deste artigo, pelos inúmeros comentários e sugestões. Sociais, Rio de Janeiro, Vol. 44, nº 3, 2001, pp. 513 a 560.
DADOS -Revista de Ciências
Federalismo e Descentralização na Constituição de 1988: Processo Decisório, Conflitos e Alianças*Celina Souza promisso com a descentralização tributária para estados e municí-pios. Da primeira estratégia resultou uma engenharia constitucional consociativa em que prevaleceu a busca de consenso e a incorporação das demandas das minorias. A segunda moldou um novo federalismo, tornando-o uma das mais importantes bases da democracia reconstruída em 1988.Neste artigo, analiso o processo decisório ocorrido na Assembléia Nacional Constituinte relativo às mudanças na Federação e à decisão de descentralizar poder político e financeiro para as esferas subnacionais. A (re)construção de um sistema federal voltado para a divisão de poder político e tributário sem promover desequilíbrio entre os entes federativos é tarefa intrinsecamente contraditória, gerando, portanto, conflitos e tensões 1 . Baseado em dados empíricos, o trabalho busca entender: a) por que um país com uma agenda de problemas que requer políticas nacionais decide descentralizar poder político e financeiro; b) os conflitos, alianças e contradições gerados pelas decisões tomadas pelos constituintes, naquele momento histórico, em relação à Federação.Argumento que, embora a decisão de descentralizar poder político e financeiro, o que gerou um novo federalismo, tenha sido marcada por conflitos, tensões e contradições, ela favoreceu a consolidação da democracia, tendo tornado o Brasil um país mais "federal", pela emergência de novos atores no cenário político e pela existência de vários centros de poder soberanos que competem entre si.Inicialmente, apresento um breve relato sobre os principais fatos que antecederam os trabalhos da Assembléia Nacional Constituinte -ANC. Nas seções seguintes analiso as instâncias decisórias onde o federalismo e a descentralização for...