Infâncias imigrantes, silêncios e fronteiras do cuidado em um CAPS infantojuvenil

Abstract

O trabalho aborda o cuidado em saúde mental de crianças de famílias bolivianas em um CAPS (Centro de Atenção Psicossocial) Infantojuvenil em São Paulo. Essas crianças apresentam dificuldades na aquisição da fala e na interação social, e são encaminhadas majoritariamente pelas escolas. A apresentação de vinhetas clínicas buscará articular suas histórias ao contexto de imigração, às rupturas nas transmissões familiares, vivências de desamparo e estratégias de enfrentamento de um lugar social desqualificado. Discute-se a tendência à redução de tais impasses ao diagnóstico de autismo, cristalizando uma compreensão reducionista e dificultando a diferenciação e singularização dos casos. O silêncio dessas crianças e de suas famílias é entendido como efeitos dos abalos nas transmissões familiares, mas também como formas de resistência à submissão cultural e identitária.

Revisão de Literatura: crianças migrantes e refugiadas nas pesquisas em Educação Infantil (1988-2021)

“…Neste mesmo sentido, Lorzing (2021, p. 112) percebeu, ao tratar das crianças haitianas na Educação Infantil em Sorocaba, a importância e a valorização da escola pelos migrantes, que, mesmo com todas as dificuldades, prezam que seus filhos e filhas "[...] tenham uma educação escolar no país de destino, pois acreditam na segurança e importância de manter este vínculo". Os trabalhos de , Joia (2021) e Ludovico (2021) também destacam a valorização da Educação pelas famílias de migrantes e refugiados.…”

“…O artigo de Joia (2021, p. 154) corrobora os indicativos de Silva (2014): "[...] a orientação geral que os pais escutam é que não podem falar espanhol com os filhos, pois isso os impediria de aprender o português". Para Joia (2021), este processo produz na criança "[...] um significativo efeito de deslegitimação da língua materna e de sua transmissão, assim como também de todo o repertório cultural e simbólico ligado a ela" (JOIA, 2021, p. 154).…”

Dar lugar à palavra: reverberações da clínica com imigrantes bolivianos num CAPS infantojuvenil

“…Naquela ocasião, trabalhou com os relatos trazidos pelos pais, questionando como o lugar social desqualificado de imigrantes e trabalhadores da costura tem efeitos de um desamparo discursivo (Rosa, 2016) que favorece o silenciamento das famílias nas transmissões culturais e afetivas com as crianças. O desenraizamento e a falta de redes de circulação e cuidado também incidem na produção de solidão dos casais, que se veem sem as referências familiares e culturais que ficaram na Bolívia (Joia, 2021).…”

“…No contexto educacional, o aumento de uma correlação direta entre imigrantes bolivianos e autismo ou deficiência vem sendo alvo de preocupações (Masella, 2019;Primo & Rosa, 2019;Freitas, 2021), no sentido de expressar processos de medicalização e deficientização do estrangeiro boliviano. No contexto da saúde, da mesma forma, o aumento dos encaminhamentos para CAPSij com hipótese de autismo (Weinert, 2015;Joia, 2021) vem se mostrando como a principal resposta para as questões que estas crianças colocam aos diferentes pontos das políticas públicas.…”

O encontro da clínicopolítica com a escola: tensões entre o singular e o social na escolarização de crianças imigrantes

“…É evidente que, como toda disciplina fundada nas disputas dos saberes psi, ela guarda tensões em relação a pressuposição do normal e do anormal, tensões que, a nosso ver, precisam estar sempre em disputa.7 Conferir, por exemplo, o trabalho de Joia (2021) e deWeinert (2015). 8 Remetemos o leitor, mais uma vez, à pesquisa deJoia (2021), que a partir de seu trabalho em um CAPS IJ, elaborou leituras cuidadosas e pertinentes para a compreensão do silêncio das crianças de origem imigrante. Trabalhos como esse abrem espaço para a produção de outras verdades sobre esse sintoma, verdades que não deixam de ter no silêncio seu principal motor de indagação.…”