Resumo: O artigo revisita uma das teses que permeiam de ponta a ponta a obra de Gilberto Freyre, a saber, a sociedade brasileira, fruto de formação sui generis, lograva atenuar, quando não resistir, com insuspeita criatividade, às investidas de padrões mentais, comportamentais, estéticos e institucionais estranhos às suas tradições, os quais vinham se insinuando sobre ela de maneira cada vez mais sistemática a partir do século XIX. Importa-me sobremaneira que essa hipótese lhe servisse para avançar outra de suas ideias-força, qual seja, a de que nossa formação social representava uma modalidade tão diversa quanto bem-sucedida da modernidade. O artigo almeja revisitar tal programa intelectual com o propósito de compreender como esse intérprete mobiliza, ao longo de sua vasta obra, as categorias tempo e espaço, e quais usos, conotações e sentidos emprestados a tais noções mais se sobressaem em seus esforços de interpretação da experiência moderna no Brasil. Por fim, pretendo sondar potenciais contribuições de Freyre para o discurso sociológico da modernidade.Palavras-chave: Gilberto Freyre, pensamento social brasileiro, modernidade, teoria sociológica.
I"A Praça venceu o engenho", assevera Gilberto Freyre em Sobrados e mucambos, mas não sem deixar de nos alertar que tal fenômeno deu-se [...] quase sempre respeitando nos vencidos umas tantas virtudes e gabolices; procurando imitá-las; às vezes até romantizando-as e exagerando-as nessa imitação de "inferiores" por "superiores" (Freyre, 1996: 30).Nesta, como em outras de suas celebradas obras, Freyre torna explícita uma hipótese que atravessaria de ponta a ponta seu programa intelectual: a sociedade brasileira, fruto de formação sui generis, lograva atenuar, quando não resistir, com insuspeita criatividade e galhardia, às investidas de padrões mentais, comportamentais, estéticos e institucionais estranhos às suas tradições, padrões que vinham se insinuando sobre ela de maneira cada vez mais sistemática a partir do século XIX, na esteira da escalada hegemônica da Europa ocidental e da América do Norte (Freyre, 1996: 34 e 47). Como bem sabemos, revisitada (por vezes à exaustão) em várias de suas principais obras, tal hipótese servia-lhe para avançar outra de suas ideias-força, qual seja, a de que nossa formação social representava uma modalidade tão diversa quanto bem-sucedida da modernidade. Aqui, por razões que nosso autor também